quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

vou festejar

Todos os dias desse ano. Os bons e os ruins. Os curtos e os longos. Vou festejar todas as festas, sorrisos, beijos e carinhos. Todas as lágrimas, angústias e saudades. Brindar todos os encontros programados e mais ainda os inesperados. Rir de todas as mágoas. Chorar de todas as bençãos.

Renovação total. Mudanças, desafios, dúvidas, lições pra encararar mais um turno. A ilusão de um ano novo que ajuda no reinício, motiva e inspira.

Vou festejar então.
Por ter experimentado a vida e a morte.
Por ter conhecido pessoas incríveis.
Visto lugares maravilhosos.
Por ter reencontrados sentimentos esquecidos.
Pessoas que estavam tão perto e tão longe.
Por ter conhecido a felicidade em estado bruto.
Por ter me decepcionado.
Mais uma vez e sempre.
Por ter me apaixonado, mais de uma vez.
Por estar apaixonada.
Por estar amando.
Por estar vivendo.
Vou festejar e chorar nesse fim de ano.
E me lembrar de tudo o que senti, provei, aprovei e reprovei.
E vou festejar tudo que ainda está por vir e o friozinho na barriga que dá não saber exatamente o quê.

2010.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

flor

Quando Clarice não achava possível que pudesse existir algo assim, descobriu que havia alguém além dela que podia entender o quão chato é ter que se repetir. Mais ainda, como as pessoas podem se tornar tão incômodas e irreconhecíveis de um dia para outro, como se falassem um idioma desconhecido e impossível de ser traduzido. Pela primeira vez, reconheceu em outra pessoa o desfrute da conquista e a repulsa ao prêmio vencido. Aliás, há de ser ressaltado: quanto mais árduo o combate, maior a indiferença após a vitória.

Não obstante o falatório geral, não houve santo que tirasse da cabeça de Alice que as histórias que corriam por aí tinham um quê de mal contadas. E, então, descobriu que não era bem assim que a banda tocava. Literalmente. Ademais, em favor das duas e em desfavor do restante, encontraram-se em uma sintonia talvez inédita. Três passos para frente, um para trás, sempre com um pézinho fincado em terra firme, foram aos poucos aparando arestas invisíveis. Quando se deram conta, passaram a confidenciar o que até então foram levadas a crer serem banalidades.

Clarice e Alice.
Não têm paciência para a inércia, mas muitas vezes se acham incapazes de sair dela.
Não sabem se compram uma TV ou se andam de bicicleta.
Juram que lealdade e fidelidade não são a mesma coisa.
Têm vontade de sair correndo quando ouvem uma música que amam.
Querem ficar sós, mas se sentem como um cão sarnento por acharem que não têm amigos.
Se apaixonam rápido e se desapaixonam mais rápido ainda.
Fazem as pessoas se apaixonarem por elas. E juram que não é por querer.
Provocam amor e ódio simultaneamente.
Estão sempre em ponto de ebulição.
Detestam o óbvio.
Atraem-se pelo excêntrico.

Clarice e Alice.
Separadas no nascimento?

(F)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

dois cafés com açúcar

Fernanda andava distraída pelo centro da cidade, o olhar velado pelo hábito. Olhou e não viu. De repente, voltou atrás. Virou para o lado direito e entristeceu ao ver o bar em obras. Chegou a por a mão na bolsa à procura do telefone, os dedos coçando para discar para ele, mas não podia.

Era prali que eles fugiam depois do almoço, tomavam um café requentado que ele teimava em dizer que era o melhor dos arredores e fumavam um ou dois cigarros, quando tinham um pouco mais de tempo. Falavam sobre tudo, sobre nada, se amavam e se odiavam.

Foi ali que ela se sentou pela primeira vez com ele, quando ainda nem sabia andar pelo centro. E deu uma tristeza saber que além deles, o bar também não iria mais existir, não da mesma forma que antes.

Ela se deu conta, então, de que fotografa lugares por onde passa, guarda reportagens que lê, decora letras de músicas inteiras, compra livros e assiste a filmes sempre que tem vontade de estar com ele, numa tentativa vazia de compartilhar sozinha um momento deles dois.

Uma maneira leviana de matar as saudades.

E de sentir, por um segundo que seja, aquela completude que só ele proporcionava.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

por onde anda minha Tereza?

Tereza não acredita nas coisas que ele diz. Ainda não tem certeza se faz isso por não querer aceitar que ele é mesmo diferente dela, por achar que ele é ainda muito novo ou porque talvez ainda não tenha podido ser ele mesmo. Amarras das quais se livrou há tanto tempo que já não se lembra mais de como era ter que se preocupar com o que os outros pensam.

Ela busca no desvio do olhar que ele dá quando se encabula uma nesga de verdade. Acha. E vê que ele se desconcerta, que ela o faz cair desse pedestal que ele construiu para ser notado, mesmo que somente pelos espelhos que projeta de todos os lados.

Tudo que ela pensa é em como ele seria mais alto e mais bonito daqui de baixo. Mais verdadeiro e menos vulgar. Menos forçado, menos banal.

Tereza gosta do jeito que ele morde o lábio de baixo quando pensa em beijá-la. Ela sempre pisca de leve o olho esquerdo só pra ele se certificar de que ela o entendeu. Ela gosta da virilidade do corpo jovem, do jeito sem jeito que ele reage quando eles se esbarram, jamais sem querer. É isso.

Tereza adora o jeito como eles fingem coincidências.

domingo, 25 de outubro de 2009

samba e amor

Fernanda ouvia o samba se esvair pelas escadas enquanto tentava encontrar uma resposta para a garganta entalada que já sentia há dias. Por um segundo, conseguiu se sentir livre novamente, como já não se sentia há muito tempo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

o meu amor



O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

domingo, 4 de outubro de 2009

detalhes

O que a Fernanda mais gostava na Flavia era o jeito que ela fingia não entender quando a Fernanda dizia que a amava. Fernanda gostava ainda mais quando ela tentava prender o sorriso e, quando não conseguia, punha a mão na frente da boca, como se conseguisse esconder como os olhos se fechavam e as pregas que apareciam ao redor deles. Ela adorava quando a Flavia usava pijamas de flanela e meias. Quando ela dizia um puta palavrão, ficava vermelha e pedia desculpas depois.

Apaixonaram-se pelas mãos umas da outra. Talvez um pouco de suas personalidades estampadas, ou, quem sabe, um fetiche totalmente inconsciente. Mas, com absoluta certeza, de tal modo que toda vez que segura a mão de uma mulher, lembra-se das mãos brancas de Flavia e de como se encaixavam nas suas.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

the killer in me is the killer in you

01 de outubro de 2009






Achei meu primeiro cabelo branco. E tenho testemunha.






versículo vigésimo segundo

"Cristiana diria: estou apaixonada por você. E o que Helena quis dizer - algo que Cristiana acha que entendeu, mas não - é: eu não sei o que faço afetivamente; porque, afetivamente, sou uma ameba; e vou fazê-la sofrer por causa disso."

"O efeito Urano" - Fernanda Young

Acabei. E como disse pra Luh: ainda não sei se gosto dela ou se sinto asco e vergonha de todos os episódios patéticos pelos quais todo mundo (inclusive eu, claro) já passou.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

21 andares

Tereza dirigia como uma louca, atravessou o túnel aos berros no celular, os cabelos voavam cobrindo-lhe o rosto, passava a marcha com a mesma mão que segurava o cigarro. Do outro lado da linha Cesar gaguejava, ouvia os gritos dela misturados com o som da chuva e do motor dos carros que ela cortava.

Quando finalmente o barulho diminuiu, Tereza já estava com o indicador direito colado na campainha, como se para todo o prédio ouvir. Ele abriu a porta ainda com o telefone na mão, sem camisa, olhando pra ela, os cabelos embolados, a blusa branca manchada da garoa, pedindo permissão para entrar. Ele lhe deu passagem e perguntou se ela queira uma água.

Ela sentou no sofá e, bem Tereza, puxou um assunto aleatório. Ele prosseguiu oferecendo um pedaço de um doce amarelo e foi esse o dia em que Tereza comeu pamonha pela primeira vez. E na verdade não gostou. Então, de repente, sem nem se lembrar o porquê, voltaram a discutir. Ela chegou a sair porta afora, mas ele, num puxão pela cintura, a trouxe de volta já com a boca colada na dela. Quando voltaram para o sofá, ele já tinha as mãos percorrendo-lhe as coxas por baixo da saia curta.

Eles treparam na sala, passaram pelo chão do corredor e terminaram em cima da cama, com Cesar aos prantos, perguntando como ela tinha coragem de fazê-lo sentir aquilo tudo e depois se despedir. Tereza já pegava a chave do carro e procurava um dos brincos que perdera no trajeto. Beijou-lhe as lágrimas, enxugou-lhe os lábios, mergulhou o nariz em sua nuca, ainda agarrada aos fios escuros que a percorriam, desculpou-se mais uma vez e bateu a porta em suas costas, ainda ouvindo os soluços que atravessavam a parede. Desceu o elevador, o rosto pálido em choque.

Terminou a noite, totalmente perdida, com as pernas abertas pro Beto, imaginando quem seria o pai se a pílula falhasse.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

baby goodbye

Fernanda o desejou mais uma e talvez pela última vez, depois de tanto tempo. Chegou a imaginá-lo na cama suada virando-se de lado, de frente para a parede, pensando em como a ama e a vendo deitada, completamente apaixonada pelo outro agarrado em sua perna, enquanto fuma um cigarro antes de dormir, para ser acordada pelos dias que nunca imaginou que fosse viver.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

em suma

Para si mesma,
Clarice é feliz,
Fernanda é livre,
Tereza é indiferente.

Para a família,
Clarice é mãe,
Fernanda é forte,
Tereza é um caso perdido.

Para a sociedade,
Clarice é convencional,
Fernanda é excêntrica,
Tereza é uma ameaça.

Para o analista,
Clarice é uma fraude,
Fernanda é uma farsa,
Tereza é um cristal.

No amor,
Clarice acha que sabe,
Fernanda sempre se entrega,
Tereza tomou horror.

Pela manhã,
Clarice não gosta de sexo,
Fernanda não gosta de acordar só,
Tereza está indo dormir.

Na cama,
Clarice fecha os olhos,
Fernanda olha nos olhos,
Tereza olha para o espelho.

Na realidade,
todas elas,
e todas as outras,
numa

só.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

pra cima de mim?

"Eu não entendia, não entendo e nunca poderei entender - veja bem, ela dizia me amar. Sim, claro, eu sou uma doente mental que acredita no que nos dizem quando querem nos comer."

"O efeito Urano" - Fernanda Young

*ainda na página 19 e mal posso esperar pelo final

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ponto final

Tereza entrou no ônibus ajeitando a saia e tropeçou no último degrau da escada. Pagou a passagem, passou a roleta e dali mesmo o viu. Em duas piscadas traçou toda a estratégia para se fazer notar por ele. Sentou no banco baixo em frente ao dele, sempre no corredor; e ele na janela.

Ainda sentia o hálito quente do beck que tinha acabado de fumar e a respiração dele exalando álcool soprar no seu pescoço. Começou a procurar as chaves, adiantando o trabalho de achá-las na porta de casa.

Apesar do ar condicionado, ela podia sentir o cheiro da chuva que se aproximava e por um segundo, naquele dia infernal, encostou a cabeça no banco e suspirou.

Ele olhava ela de cima, podia ver seus tornozelos roçando uns nos outros e uma pétala de rosa vermelha que vazava atrás da orelha direita, escorregando pela nuca, se escondendo entre os fios de seus cabelos. Não sabia se o perfume era dela ou da flor e sentiu-se um pouco alto demais quando se viu pensando nisso. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo inteiro e apertou os joelhos com as mãos geladas.

Ela ainda ouvia a música que tocava no rádio quando passou pelo bar em frente ao ponto e conseguia ver seu reflexo pelo vidro da janela, fingindo que não a notava. Começou a estalar os dedos, primeiro pressionando os indicadores com os polegares da mesma mão e nesse movimento ele pôde ver as três alianças idênticas que ela usava em um só dedo da mão esquerda. Os três homens da minha vida, meu pai e meus irmãos, como um dia ela lhe contaria.

Enquanto o ponto final se aproximava, Tereza começou a vasculhar a bolsa, sacou uma boleta de cartão de crédito, escreveu seu telefone nela. Levantaram-se; ele primeiro, ela, logo em seguida; e assim que a porta abriu, guardou o papel no bolso de trás da calça dele.

E antes que chegasse na porta de casa, junto com as gotas grossas de chuva que começavam a lhe molhar os pés, ouviu pela primeira vez a voz do Beto, do outro lado da linha.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

clarice (a lispector)

Semana passada de bobeira zanzando pelo site do Rio Show, encontrei essa peça. Ali, logo do lado do escritório, no CCBB. Meia entrada, 5 pratas.

Ontem estava aqui e mandei esse conto pra Fernanda. Qual foi minha surpresa ao reconhecermos o mesmo bendito e adorado conto na peça hoje.

"(...) Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe."

"Perdoando Deus" - Clarice Lispector

'Simplesmente eu. Clarice Lispector' @ CCBB, adaptação, direção e interpretação: Beth Goulart, 4ª a dom, 19h, até 04 de outubro, 3808-2007.
(chegue cedo, hoje quase não conseguimos ingresso)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

brincando com fogo

O sonho da Tereza sempre foi provar pra todo mundo que ela era o amor da vida do Beto. Ela fez de tudo, alimentou todas as vontades dele. Entre quatro paredes, era um capacho que de longe lembrava sua selvageria natural. No início, ele até que gostou, mas aos poucos aquela submissão o foi deixando um tanto claustrofóbico. Ele já não aguentava mais tanta cobrança, tanta crítica e começou a sentir pena dela.

E, então, um dia ele conheceu a mãe do futuro filho dele e soube disso no primeiro segundo que a viu, só pelo sorriso que ela deu sem abrir os olhos. E ele tinha cada vez mais certeza disso, na medida em que ela pouco se importava com ele, enquanto a Tereza - e todas as outras - se estrebuchavam no chão esmolando um espaço na sua alma.

O Beto não se reconheceu e se desesperou no dia em que sentiu saudades dela e muito pior quando se viu ardendo de ciúmes. Ele não escondeu dela o revertério que sentia com ela por perto e enlouquecia cada vez que ela achava graça da situação.

Foi nessa época que a Tereza invadiu a casa do Beto e num surto psicótico tentou incendiar a casa dele.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

raimunda, eulália, isidra...

"Para centenas de mulheres madrilenhas, a vida tinha ganho um novo objetivo. O fogo que fulminava suas entranhas não tinha descanso. Os homens não conseguiam acalmá-las totalmente, mas a situação melhorava quando eles estavam dentro delas."

"Fogo nas entranhas" - Pedro Almodóvar

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

já era de se imaginar

Eu não vou amar você. Pelo menos não por enquanto. Não pretendo me casar com você, mas se acontecer, não hesitarei. Estou aqui, se você quiser, para viver. Não quero vínculos, não tenho regras. Estarei aqui para andar ao seu lado, não amarrada. Não sei pra que tanta pressa, tanta ansiedade. Não sei porque esse desespero. Porque garantias. Pra mim, basta sermos eu e você.

E então, Clarice não pôde suportar o livre arbítrio, a liberdade recém conquistada, as escolhas a lhe torturarem e decidiu retornar para a certeza medíocre de onde saiu. Adeus frio na barriga, boca salivando, coração acelerado. Adeus vontades. Adeus. Correu de volta para sua vida enlatada, como um ladrão que roubou, mas não conseguiu levar, o rabo enfiado entre as pernas, muda, engasgada com a vergonha que lhe consumia pela covardia.

Chegou em casa; Gabriel inerte sentado na poltrona, olhando para a TV, nem ao menos se deu conta de que ela havia saído para nunca mais voltar.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

em (ho)menage(m)

ousada
amorosa
*
responsabilidade
franqueza

Transmite desde muito cedo seu lado afetuoso, muita beleza e harmonia. Sua serenidade passa sempre a impressão de tranquilidade mesmo diante das tormentas. Seu jeito bondoso de ser faz com que todos busquem seus conselhos. E o senso de justiça é o que faz buscar sempre a verdade.

Busca um comportamento que esteja acima de qualquer julgamento e não aceita a companhia dos que não agem de acordo com suas convicções. Exemplo de honestidade e equilibrio, busca agir sempre com imparcialidade. Excelente anfitriã, gosta de ouvir tudo o que as pessoas têm a lhe dizer. Cerca-se sempre de conforto e qualidade.

São muitos os pontos positivos, mas frequentemente corre o risco de ser vista como orgulhosa. Driblar este aspecto torna-se fácil quando aprende o valor da compreensão e a perdoar os erros dos outros.


parabéns pra vc.
nessa data querida.
(L)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

sábado, 8 de agosto de 2009

doutor Urbino

"Ia contra toda razão científica que duas pessoas apenas conhecidas, com culturas diferentes, sem parentesco nenhum entre si, com caracteres diferentes, e até com sexos diferentes, se vissem comprometidas de repente a viver juntas, a dormir na mesma cama, a compartilhar dois destinos que talvez estivessem determinados em sentidos divergentes.

Dizia:

'O problema do casamento é que se acaba todas as noites depois de se fazer o amor, e é preciso tornar a reconstruí-lo todas as manhãs antes do café.' "

"O amor nos tempos do cólera" - Gabriel García Márquez

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

epa hei, oya






A sexta chegou com o vento.







quarta-feira, 5 de agosto de 2009

cômodo

Clarice decidiu ir embora.

Arrastou-se por toda a casa, dando adeus ao que um dia fora seu lar. Olhava para os móveis e tinha dó de si mesma quando se lembrava do quanto fora feliz. Ouvia ecoar os risos por todos os cômodos, até se perderem no silêncio que já se incorporara à sua vida. Olhou pela janela e o dia preguiçoso começava a se iluminar.

Pensou mais uma vez em tudo o que estava deixando para trás. As mãos gelaram e chegou a enausear-se. Recomeçar já era realidade, mas cadê a coragem, cadê a segurança?

Por um momento não conseguiu entender porque tinha resolvido assim. E então lembrou-se do frio na barriga que tinha voltado a sentir sem explicação, sem lhe pedir licença.

basta [1]

Fernanda respirou fundo, mais uma vez, eram tantas as coisas que tinha para dizer. Engoliu tudo a seco, as palavras indo e vindo, refluxo, pensou não fosse conseguir segurar.

Pensou em como achava tudo aquilo uma bobagem, em como as pessoas teimam em dificultar a vida, em como tudo seria mais simples se todo mundo optasse simplesmente por viver, em como está cansada de se sentir vulnerável.

Cogitou perguntar, expor, convencer, dizer o quanto deseja, contar a sua entrega e no final Vai tomar no cú. Chega. Cansei.

a volta

Tereza chegou em casa, os cabelos oleosos, os dedos amarelos de nicotina. Achou que fosse morrer e, no fundo, era o que ela mais queria.

Entrou no chuveiro de roupa e tudo, a água gelada encharcando-lhe a alma. E aos poucos, o vazio foi dando lugar a um grunhido agudo e lancinante, e, de repente, ela gritou.

E debatia-se e chorava, prensava os olhos tentando expelir toda a dor numa golfada. Viu-se encolhida no chão do box, as mãos agarradas aos cabelos, já sem as roupas lançadas como trapos contaminados de peste. Como tremia.

Por um segundo, viu tudo se apagar, o corpo congelou de baixo para cima e deu graças a Deus.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

ansiedad

Um não caber dentro de mim mesma; querer viver o amanhã antes do ontem; comer porque preciso e não porque sinto fome; não sentir fome por ter o estômago lotado de borboletas; um não saber o que fazer com os braços; querer subir na pedra da Gávea e gritar até as lágrimas começarem a correr, os soluços desentalarem, pra no final rir loucamente; pensar em tudo; pensar em nada, mas naquilo; querer deixar tudo para trás; querer começar tudo de novo; não querer começar nada; ter medo de aceitar o novo; sentir a boca seca o dia inteiro; ler 20 vezes a mesma página do livro e não conseguir acompanhar a personagem; não ser capaz de ouvir uma música sequer até o final; falta de ar; sufocar com as roupas; querer arrancar a própria pele pra tentar aliviar a pressão; contar com o pior pra tentar se proteger; pensar no melhor pra tentar se convencer; tentar não engasgar com a impotência alucinada de ter que esperar o tempo passar; sentir o sangue borbulhando nas veias; rezar para cair uma tempestade e acreditar que ela vai limpar tudo; perceber que a chuva só aumentou o abafado; fechar os olhos e ver sempre a mesma coisa; sentir as costas repuxarem há uma semana e tentar ignorar a causa; morrer de saudades do que ainda vem.

um dia a menos

sexta-feira, 31 de julho de 2009

es muss sein!

"Além do seu amor por Tomas, que se consumara, havia no reino das possibilidades um número infinito de amores não-consumados por outros homens.


Acreditamos todos que é impensável que o amor de nossa vida possa ser uma coisa leve, uma coisa imponderável; achamos que nosso amor é o que devia ser; que sem ele nossa vida não seria nossa vida."


Milan Kundera - "A insustentavel leveza do ser"

ta melhor agora?






no dia seguinte, tudo passa.





terça-feira, 28 de julho de 2009

me desdobra

E num rompante de desespero e desejo, ela se encaixou no colo dele, com as pernas dando-lhe um nó e ele, sem pensar nem por um segundo, levantou-se do sofá, com ela ainda atada a seu corpo, cravando-lhe os dedos nas coxas.

Saiu então atropelando todas as portas da casa com as costas dela, até cairem deitados na mesma posição, mas sem nunca, nunca descolarem os lábios.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

benditas

Benditas coisas que eu não sei
Os lugares onde não fui
Os gostos que não provei
Meus verdes ainda não maduros
Os espaços que ainda procuro
Os amores que eu nunca encontrei

Benditas coisas que não sejam benditas

A vida é curta
Mas enquanto dura
Posso durante um minuto ou mais
Te beijar pra sempre o amor não mente, não
mente jamais
E desconhece do relógio o velho futuro
O tempo escorre num piscar de olhos
E dura muito além dos nossos sonhos mais puros
Bom é não saber o quanto a vida dura
Ou se estarei aqui na primavera futura
Posso brincar de eternidade agora
Sem culpa nenhuma

sexta-feira, 24 de julho de 2009

6 franceses, por favor

Tereza começou a se acostumar com a idéia de que nunca mais iria ter o Beto. Ele mudou-se, trocou de telefone, de corte de cabelo e de carreira. Ela continou se afundando na mediocridade que lhe sobrou por algum tempo, mas conseguiu voltar a se lembrar do que tinha feito na noite anterior.

Até que numa tarde de sábado, sem maiores pretensões, Tereza saiu para comprar uns pães na padaria, cruzou com a mãe do (futuro) filho do Beto e só voltou pra casa 4 dias depois.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

me encosta

Fumo quando me entedio e em outras poucas ocasiões.

Ele, claro negou a oferta e já tinha os olhos nela toda. Ela, em contrapartida, mantinha o olhar fixo, as sobrancelhas semierguidas, como se estivesse vendo muito através e além das paredes que os mantinham prisioneiros daquela tensão. Vez ou outra baixava as pálpebras em busca da caneca de café onde batia a cinza do cigarro.

E ele, com os olhos ainda nela toda, sentia o coração ser esmagado pelas duas mãos de um gigante, mas, ao mesmo tempo, tentando escapolir pela garganta afora. Fazia tanto silêncio que lhe afligia a idéia de que ela percebesse seu peito sendo espancado por dentro.

Não foi o tempo de só um, mas de três cigarros. Ela mergulhou a última guimba na caneca e jogou as pernas para o lado; plantou os pés no assento do sofá e abraçou os dois joelhos de uma vez.

Ele voltou os olhos novamente para seus pés, porque as pontas dos dedos lhe resvalaram por um milésimo de segundo. Foi aí que sentiu correr pelas costas uma gota solitária de suor gelado, que fez seu corpo se arrepiar por inteiro.

terça-feira, 21 de julho de 2009

sem prazo dessa vez

E, então, hoje de manhã, levantei num susto ainda com a sensação morna de encaixar o queixo no seu peito com você enrolando os dedos nos meus cabelos e depois escorrer pro lado sem sair do seu abraço com a minha perna enroscada na sua feito uma trança de padaria daquelas bem doces recheadas de maçã com canela.

É isso. Você tem gosto de maçã com canela e foi por isso que me dei conta de que já tinha dormido com você.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

turma de três

Não sou uma pessoa de muitos amigos. Não gosto muito das pessoas, elas me cansam, e isso não é novidade pra ninguém. Aqueles que resistem são vitoriosos, não porque tem a minha amizade, mas porque conseguiram superar as minhas exigências insuportáveis.

Hoje é dia do amigo. Prefiro dizer, que hoje é o dia dos vértices. Desse triângulo às vezes retângulo, às vezes eqüilátero; mas o que importa, na verdade, é que ele nunca vira uma reta. Nem um círculo. E nessa matemática vamos mantendo esse vínculo distinto.

No fundo parece que demos as mãos pra nos restringirmos às coisas que nos constroem como indivíduos e não ao que nos rodeia. O que está fora, permanece fora, não porque não importa ou porque não influencia, mas simplesmente porque não tem espaço. Porque esse triângulo é nosso. Das nossas bobeiras, idéias, putarias, sonhos, desejos, dos nossos passados, da nossa troca.

E foi tão assim, sem querer, que quando vi, já não tinha mais jeito, não dava mais pra sair.

Um post para os vértices, representando, hoje, todos os amigos de sempre.

segunda-feira

Era só mais um dia ordinário na vida de Clarice. Deixou a Bia na casa do irmão e seguiu para o trabalho.

Foi antes do chá preto da manhã, quando comprava os biscoitos pra acompanhá-lo, que Luiza voltou pra sua vida. Assim, sem mais. Desenrolou o cachecol do pescoço, livrando-se dos teimosos cachos, já sorrindo pro rapaz franzino do balcão, pedindo uma média e acendendo um cigarro.

Já eram tantos anos desde aquele dia do portão, que Clarice tremeu e gelou só com a idéia de que Luiza não se lembraria dela.

Mas como Luiza poderia esquecer aqueles olhos?

sábado, 18 de julho de 2009

me sufoca

Ela sentou no canto esquerdo do sofá, em cima de uma perna, a outra com a sola do pé colada no assento, catou um cigarro na bolsa, acendeu, e apoiou o cotovelo do braço direito no joelho, segurando a fumaça entre os dedos.

Ele olhou pras unhas dos pés dela pintadas de vermelho sangue, sem desgrudar os olhos, e disse surpreso Eu não sabia que você fumava.

E ela displicente Eu não fumo. Você quer um também?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

o (meu) relógio da (sua) cozinha

Fernanda e Flavia já se conheciam. Uma inacessível. A outra inatingível.

Mas teve um dia em que Fernanda se entregou, perdeu o juízo, sem motivo aparente ou sem precedentes, descobriu que amava Flavia. Não era só uma curtição de bebedeira, ou uma sensação diferente. Ela queria ficar junto, andar de mãos dadas na rua, dar beijo na praça e tomar uma média na padaria. Ela queria dormir grudado, acordar embaixo da coberta, dividir os pijamas e fazer picnic.


A Fernanda não escolheu o melhor jeito de contar isso pra ela, mas, no final, de certa forma, até que funcionou. A Flavia foi pra parede, com as mãos da Fernanda grudadas entre ela. Não sabia se tentava prender a outra ou se se segurava pra não cair. E tudo veio como uma avalanche e elas lá no topo de mãos dadas, só olhando.

E dias depois, a Fernanda recuou e a Flavia cedeu, se esqueceu de todo o resto, e só se ouviam os corações descompassados que quase estouravam e afogavam as duas de dentro para fora.

Então, um dia, a Flavia decidiu que não ia se decidir e resolveu que não ia continuar. Ela preferiu enganar todo mundo, ela e a Fernanda, e tomou sua decisão. E Fernanda não entendeu, não aceitou, chorou e não dormiu por dias seguidos. E a Flavia plácida e impávida, não mexia um músculo do rosto.

A Flavia voltou pra realidade dela e a Fernanda mudou de realidade.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

afraid of making a mistake




no mistakes in the Tango.

not like life. simple.

why don't you try?



quarta-feira, 17 de junho de 2009

itália (fim)

Preferiu uma barra de chocolate com avelãs, mais confortante pro início de noite fria.

Chegou. Jogou o casaco no encosto da cadeira e tirou os tênis usando os próprios pés. Pegou um copo d'água gelada e virou quase num gole só.

Quando finalmente se jogou no sofá, apoiou os pés numa almofada e notou que uma das meias tinha uma mancha escura.

Preciso parar um pouco. Talvez de querer ser todos e não ser nenhum. De parar pra pensar em tudo e tentar achar motivos para não pensar em nada. Parar de me preocupar com o que já passou e dar valor ao que vivi. E não foi pouco. Mas quando tento me lembrar, acho tudo tão distante, que quase não vejo sentido para a maioria das coisas.

Como é chato lembrar só dos primeiros. Primeiro dia na escola, primeiro beijo, primeira transa, primeiro porre, primeiro fora, primeiro salário, primeiro amor.

Aí chega uma hora, que a gente já fez tanta coisa, que começa a repetir. Primeiro dia na escola nova, primeiro beijo ralado, primeira transa com mulher, primeiro porre com amnésia, primeiro fora-fossa, primeiro salário de férias.

Pois é. O amor continua sempre sendo o primeiro, toda vez que a gente esbarra com ele.

terça-feira, 16 de junho de 2009

dança da solidão

E, então, Tereza descobriu quem é o motivo dos carinhos do Beto.

Ficou louca, socou as paredes, virou noites em lugares que nem lembra, tentando fugir da realidade que a engolia. Ela se meteu em todas as roubadas, em milhares de furadas, fingiu pros outros e pra si mesma. Muitas vezes quase acreditou.

No entanto, só ela sabe o esforço que fazia para se sentir acolhida ao lado de tantos outros caras.

Ela fazia isso pra se convencer de que alguém também lhe dava carinho. Ela fez isso diversas vezes e só ela sabe o que era chegar em casa, depois de uma noite de trepada, e chorar baixinho, fingindo não se importar com o Beto na cama com a outra e uma garrafa de vinho vazia jogada no chão.

Ela sofria porque sabia que nada que fizesse mudaria o fato de que ela não era amada por mais ninguém.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

gabriel

Clarice chegou com o raio de sol e com uma garoa fina que a acompanhou em todo o caminho para casa. Subiu os degraus da entrada com cuidado e abriu a porta com as chaves que levava agarrada nas mãos. A escada nunca lhe pareceu mais longa, nunca deu tempo de pensar em tantas coisas num trajeto sempre tão mecânico.

Secou os pés no capacho que lhe dava as boas-vindas, enterrou os anéis de cabelos atrás das orelhas, reparou que estava sem um dos brincos, secou o rosto e ainda hesitou por alguns segundos em enfiar a chave na porta. Girou com cuidado a fechadura enferrujada e empurrou a porta sem pressa. Conseguiu não fazer barulho até tropeçar na ponta do tapete enrolada perto do sofá.

Passou pelo corredor, as pontas dos pés flutuando rangendo os tacos. Entrou no quarto, jogou os sapatos embaixo da cama, deslizou por baixo dos lencóis gelados e deitou-se de costas para Gabriel. O frio de seu corpo fez com que ele se mexesse um pouco, mas não o despertou; foi o suficiente para ele saber que ela estava ali.

Clarice não conseguia pregar os olhos. Tentava esconder as mãos ainda úmidas da garoa embaixo do travesseiro ou entre as pernas.

Pensou no homem de calças compridas abrindo a padaria, no gari tentando descolar o cartaz do poste de luz, na senhora encolhida passeando um cão com roupa e sapatos agarrada a um cigarro amassado de filtro amarelo e nas mãos pequenas e brancas de Luiza passeando no braço do sofá vermelho até encostarem nas suas.

domingo, 31 de maio de 2009

itália

Fernanda voltava pra casa, domingo à noite, nada absolutamente para fazer. Nas ruas ao redor, duas igrejas, cinco botequins, uma sorveteria e uma locadora. As pessoas andando sem notar que as luzes aos domingos ficam sempre mais amareladas e, meio sem rumo, ia pensando se pedia uma casquinha de creme na sorveteria.

continua.

sábado, 30 de maio de 2009

beto

Quando a Tereza conheceu o Beto ela não era assim.

Aliás, quem nunca teve um Beto na vida?

Então a Tereza conheceu o Beto. E ela não era assim. Ela tinha o maior sorriso do mundo e gostava de abraçar as pessoas. Gostava de tocar violão sozinha no quarto e de comer brigadeiro na colher. Todo mundo queria a Tereza e a Tereza não queria ninguém. E o Beto ali.

Um dia Tereza começou a querer o Beto, mas o Beto não podia querer a Tereza. Aí a Tereza saiu com o Carlos, com o João, com o Leo e com o Guilherme, e nem sabia por onde o Beto andava.

No fim, a Tereza ficou com o Beto, depois não mais, porque foram uns tontos. A Tereza sempre achava que os outros eram mais carinhosos que o Beto, e o Beto sempre achava as outras simplesmente as outras.

Aí um dia a Tereza viu o Beto com outra e achou que ele era o cara mais carinhoso do mundo. O Beto olhou pra Tereza e achou que a Tereza agora fazia parte das outras.

terça-feira, 26 de maio de 2009

301

Ela morava num desses prédios antigos que a gente sobe de escada e joga a chave pela janela quando chega uma visita. A sala era grande até, mas tinha muitas coisas espalhadas. A parede da esquerda era uma estante de prateleiras que ia do chão ao teto, dividindo-se entre livros, CD's, uma TV sem controle remoto, uns DVD's jogados e mais uma porrada de coisa empoeirada que a Luiza trazia das viagens. Pra eu me lembrar de todas. Ela já tinha perdido a conta do número de cidades que já tinha visitado.

Em frente, tinha uma janela dessas de abrir para o lado de fora do cômodo. Um dos vidros estava faltando um bom pedaço e ela É bom que sempre refresca. Na parede da direita se via um sofá vermelho em "L" que ficava um assento embaixo da janela. Ela disse que ali era seu canto preferido porque podia apoiar o cinzeiro e o que estivesse bebendo no parapeito de mármore enquanto assistia à TV ou via o movimento da rua.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

bom dia, Tereza

Tereza acordou finalmente. Abriu os olhos com pressa esquecendo-se de onde estava. Cheiro de mofo, álcool, fumaça e foda. Putaquepariu, Tereza! Quem é esse cara?

Começou a catar as roupas pelo carpete imundo. Caralho, cadê minha calcinha? Olhou para os lados e se perguntou como conseguiu trepar num lugar azul daquele jeito. Tudo era azul: o papel de parede rasgado, os lençóis, as flores, até o banheiro era todo azul. Porra, Tereza, isso é hora de cismar com a cor do quarto?

Estava ficando enjoada com aquele cheiro e não achava a calcinha. Foda-se, vou sem. Olhou-se no espelho e congelou. Ficou chocada com seu estado. O olho continuava preto do lápis derretido, mas agora descia pelas olheiras. Tinha umas marcas de dedos no pescoço e do lado esquerdo do rosto, de um jeito que parecia um mapa de sangue pisado. Mas que merda hein, Tereza? Haja pó pra cobrir essa porra! Tentou abaixar o cabelo, mas não deu muito jeito.

Cacete, onde foi parar minha calcinha?! Ai.

Tereza ficou na dúvida se acordava o otário ou não. Otário dormia bêbado babando no travesseiro com a bunda pro alto. Que bunda gostosa hein, Otário? Ela ficou na dúvida também se ajudava com uma grana pra pagar o quarto e tal, mas olhou em volta e pensou que, pelo azul, não ia sair tão caro assim.

Ele paga sozinho.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

mais uma dose pelamordedeus (versão Tereza)

Tereza não aguentava mais enxugar as lágrimas. Se sentia uma idiota, uma tonta. O lápis preto no olho todo borrado, um nojo. Que merda, hein, Tereza? Ele continua um babaca?

Virou o copo e pediu a 5ª dose de cachaça da última hora. Boteco barato, um calor do caralho e Tereza lá. Não desistia de se torturar. Vergonha infinita. Teimava que ainda tinha alguma coisa pra chorar de ódio. Mas não tinha. E ela transformava as lágrimas desejadas em doses e doses de cana.

Olhou pro primeiro otário que apareceu e deu pra ele. Só pra acordar de manhã com ainda mais culpa.


mi amore

Fernanda está apaixonada. Ela conheceu sem compromisso um cara com compromisso e sonhou com ele semana passada.

Ele estava deitado de bruços ao lado dela, sem camisa numa cama branca, grande e macia. O rosto virado para o outro lado, deixava virados pra ela os fios pretíssimos dos cabelos que escorriam um tanto compridos pelo travesseiro.

Ela via o sol radiante e desfilava as pontas dos dedos no sulco das costas dele até ser cerceada pelo lençol que o cobria, quando ele se virou para ela abrindo um olho de cada vez.

Até agora foi só isso que ela conseguiu e, às vezes, pensa que é melhor assim. Saber que não pode. Tocar e não pegar. Fingir que é brincadeira. Desculpas esdrúxulas. Fernanda prefere desfrutar o jogo, sem pressa para conquistar a vitória. Até porque quando alguém ganha, o jogo acaba e aí acabam também a vontade de se arrumar antes de sair, o vazio no peito quando vê e as borboletinhas no estômago que chegam a tirar sua fome.

Se ela ganhar, acabou a incerteza, a dúvida, a liberdade, o fingir que não está entendendo o que acontece, os beijinhos de canto. Tudo passa a fazer parte da realidade, surgem as dúvidas, as obrigações e os questionamentos. E, então, Fernanda não sonha mais, o desconhecido se esgota em muito pouco tempo, ela se entedia novamente e se lembra de que gosta dele, mas que também gosta de muitas outras pessoas.

mais uma dose pelamordedeus

Clarice preferiu não questionar a conta e pagar sem se preocupar em como. Amanhã eu penso nisso. Só queria sair dali. E rápido. E levantou e foi trocando as pernas até a mesa do fundo, onde ela tinha passado a noite quase toda perdida. Luiza.

Enquanto ajeitava o vestido, arrumava os cabelos e tentava achar um beck na bolsa revirada, tentava ainda decidir o que ia dizer pra ela.

sábado, 16 de maio de 2009

silencio




Hoje
Clarice precisa beber,
Tereza se cansou de enxugar as lágrimas
e
Fernanda decidiu se apaixonar.




crónica realista

En la esquina de la Rua do Ouvidor con la Rua do Carmo, hay aquel hombre que veo todos los días. En verdad, es un mendigo, quizás el más sucio que he visto en mi vida. No tiene más que cuarenta años; su pelo y su barba son largos y negros y están siempre enredados y casi no se pueden ver los hilos de tán pegajosos que son.

En frente del restaurante Bon Profit hay unos bancos verdes para sentarse. Mi mendigo pasa la mayor parte del día acostado en los bancos y creo que hay uno que le gusta más. Siempre que lo veo está fumando un cigarillo y en la otra mano sujeta otro apagado. Lo que me llama la atención es que tiene siempre una sonrisa en la cara, no tán corriente en la cara de las personas que caminan por allí. Además, parece relajado todo el tiempo, como si no tuviese que preocuparse por nada, aparte de los próximos cigarillos que fumará al largo del día.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Meursault

"Acabei por não me entediar mais, a partir do instante em que aprendi a recordar. (...)

Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia poderia sem dificuldades passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar. De certo modo, isso era uma vantagem."

O estrangeiro - Albert Camus

terça-feira, 28 de abril de 2009

ignorance is bliss

Clarice não quer saber quando vão ligar pra ela. Ela quer ficar quieta num cantinho. Pode ser embaixo do chuveiro quente no box apertado onde as lágrimas se misturam com todo o resto e ninguém pode ouvir. Melhor ainda seria ter um cantinho só pra ela. E não é que dá?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

hoje a insônia é minha

Tereza foi se deitar com sono e uma dor de cabeça lancinante cuja razão desconhecia. Tomou uma Neosaldina e um Dorflex, pluft, num gole d'água só. Será que isso faz mal, pensou. Ficou por uma meia hora sentindo a cabeça latejar e quase se convenceu de que tinha feito merda. No final das contas, a dor de cabeça se foi, mas a insônia chegou sem pedir licença. Sem dor, sem sono.

Desistiu. Levantou, lançou um naco de queijo minas numa torrada - o estômago já começava a reclamar - e ficou olhando pela janela. E lembrou-se das coisas que estava pensando enquanto deitada na cama tentava pegar no sono.

Lá na cama incômoda, se virou, virou o colchão ao contrário - cismou que o colchão estava viciado - trocou o travesseiro de lado. Dentro em pouco, se viu pensando em sair do corpo para tentar encontrar seu apaixonado. Pensou nele, na casa e na cama dele. Sentiu até o corpo um tantinho dormente, estou desdobrando, depois caiu na real e viu que estava era tendo uns cacarecos de tanto analgésico que tomou. Estou ficando louca mesmo.

E por aí pensou mais. Pensou aquém e além. Pensou que se cansou, no filme a que irá assistir no cinema, no filho que não teve, na amiga que acha que está tirando vantagem, nos dias livres que estão por vir, nas viagens que não conseguirá fazer, nas desculpas que dará, nos abraços que ficarão guardados, nos beijos que nunca serão selados, e na porra da Neosaldina que tirou seu sono pelas próximas horas.