quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

medo da chuva.

Ao navegar sobre as ondas se está diante de um abismo que proporciona uma queda maior do que do topo do Himalaia. Estou chutando. O que importa é compreender a velocidade da descida. Pular de montanhas é rápido, perigoso e fatal. Ao se decidir mergulhar para alcançar essa profundidade, o trajeto será muito mais lento, com certeza muito menos prazeroso e, certamente, se chegará ao fim sem esgotar o percurso. Acho que minha lista de montanhas está acabando.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

por um momento meu canto contigo compactua.

E semana que vem, eu pergunto, Como você está. Você diz, Tomara que vivo, pra te cobrir da cabeça aos pés. E, naquele momento, eu só pensava em ler o marquês na reentrância das suas coxas, esperando o eclipse chegar pra ver se a luz baixava o suficiente pra eu te decifrar na penumbra.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

me faz esse favor.

Se não houvesse tanta agonia. Talvez você seria uma possibilidade. Para me atormentar, bastam os meus dramas crônicos, as minhas vidas cruzadas, a minha disciplina inferior, o meu bosque de ilusões perdidas. Se não houvesse tanta aposta. Eu deixaria todo o otimismo para você. Para me confudir, já tenho a minha disciplina crônica, os meus dramas cruzados, o meu bosque inferior e as minhas vidas de ilusões perdidas. Se não houvesse tanta promessa. A minha crença passaria a ser no sentido que o mundo gira. Para me dispersar, tenho uma lista de bosques crônicos, minhas disciplinas cruzadas, minha vida inferior, meu drama de ilusões perdidas. Se fosse suficiente ser eu. Não seria tão trágico me importar com o adeus. Para me amar, me perseguem minhas vidas crônicas, meus bosques cruzados, meu drama inferior e minha disciplina de ilusões prá lá de perdidas.

nem sempre se vê lágrima no escuro.

E parando mesmo para pensar, nunca teríamos nos encontrado se uma vírgula desse passado de misérias tivesse sido mudada. Eu vi no clarão do raio que caía sobre o topo da minha montanha obsessiva de perguntas sem respostas. Se vou guardar essa claridade, só Deus sabe: foi ele quem fez chover.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

tito.

Nasceu um menino franzino, daqueles que chega a dar um certo dó quando a gente abraça um pouco mais forte. Desde novinho, era chamado de Tito, muito em razão da irmã, Graça, que por nada nesse mundo conseguia dizer seu nome. Às vezes, até ele mesmo se esquecia de que era apenas um apelido. Chegou o dia em que foi Bentinho, Tomas, Aureliano, Mersalt, José, e até Cora, Fermina e Raimunda: tentava encontrar a vida que lhe foi negada e seu pai não entendia o motivo de tanto tempo perdido com os olhos afundados em palavras destituídas de verdade, imerso numa realidade inventada por indivíduos escondidos em ilusões vividas em uns pedaços de papel rodeados de cinzeiros entupidos de guimbas manchadas de uísque.

domingo, 5 de dezembro de 2010

selos, pinguins, papéis de carta e outras coisinhas mais.

Caguei baldes para sua coleção de vinis. De que adiantou o café na cama, as mensagens de afeto, me contar que falou de mim para a sua mãe e que seus amigos não viam a hora de conhecer de perto a mulher por quem você estava apaixonado. Dessa vez. Foi isso que você esqueceu de me contar. Que na verdade eu era só mais um objeto da sua paixão, dessa sua necessidade pagã de canalizar seus desejos frustrados para um salvador hipotético. O que não passava da libertação de uma infância da qual você não consegue e não deseja escapar porque definitivamente é muito mais fácil quando nos ainda é permitido cometer erros primários. Ainda não sei se no fundo queria ou não exercer esse papel. Talvez tenha me desapontado por não ser mais relevante do que qualquer outra coisa que te acolhesse. Meu orgulho foi absolutamente ferido, isso é fato. Mas no fundo eu não ia aguentar servir de alavanca para o seu sucesso, enquanto a minha vida passaria a ser acompanhar a sua trajetória e mergulhar fundo num oceano de fracasso. Não ia demorar muito para eu me cansar de te entender e relevar seus traumas e mazelas, quem sabe até como forma de tentar esquecer os meus problemas. Faz assim então, guarda aquele poema que eu te dei e começa uma nova coleção: de versinhos medíocres roubados de outros amores para conquistar farsas patéticas como você.

domingo, 28 de novembro de 2010

antes de mais nada.

Pedi um conselho ao dia e ele me disse ; por aí, sem medo de errar, sem esperar cair, deixe o chapéu em casa, malandro, e liberte-se da soberania das dúvidas. Vorazes, latejantes e suculentas como uma manga rosa gorda e quente tirada do pé para o café da manhã. O seu cenário não existe. É apenas mais uma farsa da sua vida ordinária. Mudei uns móveis de lugar, abri espaço nas gavetas para guardar seus pensamentos, mas me esqueci de tirar a poeira velha e curtida da mesa de cabeceira. Ficaram as silhuetas do abajur sem lâmpada, do descanso para copos e das minhas lembranças que repousaram ali mais tempo do que deveriam. Fazia tanto que não mexia, que já não sabia outra forma de dispor os objetos, as personagens ilustres que me acompanhavam silenciosas à hora de dormir. Mas escutei o dia que me chamava curioso do lado de fora. Doeu um bocado quando a luz me perfurou a retina. Havia tanto que me desconhecia que foi difícil encarar que aquilo era o meu corpo. Que a ferida deixada pelos raios se alastrava por toda minha extensão e me incendiava. Quando por fim cheguei até a porta, não fui capaz de abri-la por inteiro e me dei conta de que tinha medo. Uma agonia que revirava minhas entranhas e que me impedia de admitir quem eu verdadeiramente sempre quis ser. Criei raízes num casulo de gesso e me escondi até de mim. Talvez porque não pudesse mais me expor aos olhares inquisidores, mas, com certeza, porque não conseguia mais fingir que eles não me doíam.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

aponta pra fé e rema.

Era eu, sentada na margem direita do rio. Sem soluços, sem saudade, só um aperto no peito a pulsar. Um desejo de ser o seu bem querer, a menina dos seus olhos, a vontade simples de chegar sem nunca ter partido. Era eu, te amando loucamente, não porque era você, mas apenas porque desconheço outra forma de amar. Sem pudores, sem segredos, só vertigens e anseios de passar o resto da vida desfrutando do odor da sua voz macia a acariciar cuidadoso a minha nuca. Não porque era você, mas porque a paixão queima em mim, exala e transborda como um mel dourado. Era eu, novamente construindo em mim um castelo de cartas mascaradas, me perfumando calmamente para o momento da queda sublime. Sem ilusões, sem promessas, só a certeza de que tudo uma hora chega ao fim, mesmo aquelas coisas que existiram apenas nas minhas noites em claro e no meu imaginário juvenil. Essas são as coisas de que eu certamente sentirei mais falta, aquelas que vivi profundamente em minha cúpula, pois as inventei, as desfiz, voltei, redefini os planos e compartilhei comigo mesma as dores e os louvores. Aquelas pelas quais definitivamente me apaixonei. Não porque era você, mas tão somente porque são essas que eu vejo do outro lado do rio e dessa vez foi você quem veio me buscar do lado de cá.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

240 horas.

Um beijo. Foi o suficiente para Tiago. Ele, viciado em galanteios baratos ímpares e viralatas, embora amante da cor da boca das mulheres, começou a levar-se a sério. No meio de faíscas de luz que se misturavam com o peso dos meteoritos que lhe empurravam as pálpebras, ele se deparou com uma das bocas mais bonitas que já vira, se não a mais. Logo ali, sob um fio de lua na ladeira cheia. Desde o início, ele sabia que havia se deparado com a pigmentação perfeita e a partir disso conseguia presumir textura e temperatura. Em pouco mais de 30 segundos, percebeu que o lóbulo da orelha também era um barato a se admirar, logo após ouvir distraído É esse lance da poesia mesmo, eu acho.


(@) (F) (&)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

24 horas.

Um dia. Foi o suficiente para Tiago. Ele, viciado na liberdade, amante da vida, não sabia o que fazer com aquela tempestade de faíscas e meteoritos que ela trouxe praquela noite de lua cheia na ladeira. Desde então, passou a ser perseguido por um maldito e incessante cheiro de lírios. No início, eram mais de quatro banhos por dia, ainda tentando se livrar daquele perfume. Demorou um tempo até que sua mãe percebesse e um clarão o iluminasse como um farol: era o cheiro da paixão que ele até então desconhecia.

domingo, 14 de novembro de 2010

35 segundos.

Eu desejo o seu desassossego, bato a cinza n'água e ouço o som da brasa se apagando, fingindo se dissolver, soltando uns pedaços e juntando tudo no fundo para observar o mundo turvo e silencioso, me encanto e sinto o vento que se rebela nas nesgas que as passagens às vezes permitem para que os pensamentos súbitos se embrenhem em locais inóspitos, pois para mim só há uma forma de ver o vento e é daquele jeito que você olha e ameniza as pálpebras e isso significa que você está simplesmente feliz, e esconde uma madeixa atrás das orelhas fingindo que não, mas na verdade isso serve apenas para você tentar fugir do que não se dá para escapar de um segundo para lá ou para tentar se convencer de que desse lado as flores são mais frescas e radiantes. 

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

arrastando o sari.

Dalva nasceu numa quinta-feira de lua cheia de parto normal, o que poucos acreditaram, pois nunca se viu bebê mais robusto na família. O pai faleceu cedo, deixando a mulher e as duas filhas no casarão em Niterói.

Dalva tornou-se Dalvinha, desde sempre uma baixinha nervosa de pestanas longas que tremilicavam sempre que ela se enfezava com alguma coisa. A irmã Elsi, uma sapatão inveterada, fazia broma do jeito sonhador de Dalvinha, mas ela não desistia da idéia de se casar. 

- Não quero qualquer um. Só me caso com um príncipe, mas um príncipe de verdade, um príncipe fidalgo!
Um dia, quando saía da Imprensa, Dalvinha puxou a amiga pelo braço:

- Tem um baile hoje no Consulado, é minha chance de encontrar o meu príncipe.

A amiga não teve outra opção a não ser acompanhar Dalvinha, que, de tão agitada com a possibilidade de finalmente desposar, ensopava as mangas do vestido de suor. A bem da verdade, ela não fazia a mais vaga idéia do que era um Consulado. Só lhe atravessava mesmo o pensamento de encontrar algum homem vindo de um país mirabolante.

E assim foi. Dalvinha com a amiga a tiracolo, logo começou de trelelê com um hindu, diga-se de passagem, bem mais moço do que ela, pele de um marrom seco, roupas e turbante coloridos e a barba arrastando no peito.

- Veja só, isso sim é um príncipe fidalgo!
A amiga nem se atrevia a opinar. O homem pouco entendia o que ela dizia, mas o suficiente para aceitar o convite para a última sessão exibida no Odeon. E foram. Dalvinha, o hindu e a amiga, que se perguntava a todo minuto onde havia amarrado seu burro.

Chegaram esbaforidos, quase atrasados e só tiveram mesmo tempo para se sentarem, quando as luzes logo se apagaram. Assim que o telão se iluminou, teve início uma chuva de vaias e reclamações, e Dalvinha, roxa de vergonha, só pensava:

- Bando de sem educação. O que o príncipe vai pensar?

De repente, foi possível distinguir entre os "uuuuus" ininterruptos um sonoro:

- Tira o chapéu!!!

Dalvinha, mais roxa do que antes, não sabia onde enfiava a cara, muito menos como ia falar para o príncipe que seu turbante era o motivo de tamanha insatisfação. A amiga, coitada, só tentava se lembrar de porque tinha afinal caído naquela cilada.

É evidente que o episódio não teve futuro e Dalvinha ficou traumatizada a ponto de nunca mais pisar na sala de exibição, mas não o suficiente para desistir de se tornar a mulher de um fidalgo.

Muitos anos depois, a amiga cruzou com Elsi durante as compras de Natal. Sobre Dalvinha, a única notícia esperada para uma solteirona imaculada:

- Morreu do coração a pobre.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

vitrine.

Vi a mãe do seu filho hoje. Ela estava com um vestido igual àquele que você me deu para o Reveillon. Ela passou por mim com o andar displicente de quem não se magoa com olhares de rejeição. O mesmo olhar que eu estampava no rosto quando te vi pela primeira vez. Me chamou a atenção o jeito que ela usa os cabelos amarrados e me lembrei do quanto você gosta dos fios deslizando nas costas nuas. Tentei encontrar nela alguma coisa de você, mas não consegui. Ela me pareceu singela demais para o seu amor avassalador. Para aquela sua intensidade violenta de bem querer. Plácida demais para a sua inconstância. Sutil demais para a sua paixão juvenil. Notei, então, a mão pequenina que ela tateava cuidadosa e, por fim, compreendi porque o vestido parecia melhor nela do que em mim.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

i used to shoot you down.

Perdão. Te invado e te consumo como uma labareda faminta. Sou tua maldição, teu desconforto, o demônio que te queima sem te tocar. Um breve discurso de malícia, um suspiro que corrompe, a saliva que falta ao longo do dia. Sou a beira da calçada, a noite sorrateira que nos conduz. Tua respiração ofegante, teus ombros a se contraírem a cada mísero desvio no silêncio gelado. E sou ainda o reflexo no teu espelho pela manhã, a calda doce no fundo da caneca, a camisa que escolheu vestir. Teu livro favorito, a primeira música do dia. O banho quente na noite de inverno, o sol que fere os olhos em dias luminosos demais e que te fazem ver manchas lilases brilhando lisérgicas ao tentar focar teu caminho novamente. Já fui tua selva, teu canto secreto, a primeira vez que tocaste no mar, Carmen no palco do Municipal. Ainda sou tuas noites em claro, o beijo escondido, teu sonho mais sórdido e tua realização mais efêmera. Sou teu pensamento traidor, a fraqueza no teu encanto, o chicote que te pune, eu sou a tua angústia melancólica. Hoje sou eu e te imploro enfim que me abandones talvez para que não seja eu quem mais te deseja.

sábado, 16 de outubro de 2010

lava que cobre tudo.

Não estava apenas de pé. Estava diante da iara coroada de orquídeas douradas que cantavam em seus cabelos cor de rosa. Ela lamentava palavras de solidão, uma guerra sem algozes, de heróis rústicos e maltrapilhos. As estrelas pingavam no céu, desenhando círculos de luz no espelho d'água. E, de repente, num movimento veloz de seus olhos amarelos, as águas do rio se fizeram imóveis.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

vamos mergulhar do alto onde subimos

Quando finalmente se reencontraram, deram as mãos que geladas se fizeram tão quentes que derreteram se tornando uma só. A noite soprava silenciosa seus sussurros mais secretos. Sem dizerem nenhuma palavra, abriram a porta e correram em direção ao mar para ver as estrelas. Elas não se lembravam de quando havia sido a última vez que não tinham absolutamente nada com que se preocupar. O céu transbordava e despejava sobre elas seu manto negro salpicado de luzes intermitentes que iluminavam seus sorrisos radiantes. Tiraram a roupa e se esqueceram do que ainda tinham que se lembrar, se beijaram sem paixão para suprir a última vontade do corpo, e mergulharam para caçar cavalos marinhos.

para minha Fi.

brinde.

Cheguei. Entrei sem ser notada, como o início de uma noite quente. Se houvesse alguém que pudesse me ver, com certeza não saberia dizer quem sou. Talvez de onde vim ou aonde pretendia chegar, mas jamais seria possível afirmar meu nome. Acredito que, àquela altura, também eu já o havia esquecido. 

Se eu pudesse seria sereia naquele mar de gente, um ídolo a ser aplaudido por um público que assistia despercebido. Nenhuma atenção era devida realmente ao que se passava, mas tão somente a inúteis gestos lânguidos de educação que vez ou outra despontavam aqui ou lá. 

Caberia dizer que as luzes se incumbiam de demonstrar o quanto era importante que todos os rostos fossem vistos, porém jamais notados. Como uma busca por um reconhecimento desordenado e sem virtudes daqueles que se preocupam mais em como devem segurar uma taça de champanhe para parecerem um pouco menos inóspitos ao ambiente. 

E eu, uma cadeira a mais naquele salão invertido, flutuava sem chão buscando a saída mais próxima que pudesse me levar a qualquer lugar onde enfim não houvesse ninguém.

do arpoador.

Quando acordou no dia seguinte, Marina tentava localizar seu próprio corpo. Eram um nó daqueles tão atados que precisou se concentrar para entender como seu braço podia estar encaixado por cima do travesseiro, enrolado nuns panos que depois descobriu ser parte da roupa que vestia quando chegou, embaixo de um pescoço de um conjunto de pouco mais de um metro e noventa de altura. E os dedos, agarrados nos cabelos dele. 

Verão escaldante, os dias amanhecem tão cedo que perdeu a conta do quanto de fato havia dormido. Sabia que se a gata decidisse entrar no quarto, fatalmente iria afastar a cortina e a mais romântica nesga de sol que se apresentasse seria fatal. Por um segundo, pensou em chamá-la para obrigá-lo a abrir os olhos e surpreendê-la ali enamorada, mas lembrou-se de que esquecera o nome do bicho. Era a segunda vez que entrava lá e a única coisa da qual conseguia se recordar era do abajur ao lado da cama que amou e arrependeu-se por perguntar de onde saíra.

Mas dele, lembrou-se para sempre. Em especial, desse dia em que escolheram juntos um dos livros que ele expunha na estante e passaram a tarde deitados quase na mesma posição que acordaram, entre xícaras de café, saliva e cigarros especiais, e se transformaram em personagens fantásticos.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ante o colapso final a vertigem.

E se eu pudesse te chamar de minha o que seria essa dor? E se eu soubesse como levar essa sina esse tormento de vida que me invade, me condena? Saberia então o dia de amanhã e a vida que deixaria de ser minha, passaria a ser nossa, na contramão do mundo e estaria a mercê das opções que nos proporciona esse microcosmo que inventamos só para nós dois. Ah, como eu seria feliz em viver deitado num divã de veludo a te procurar por todos os cantos da casa com o olhar e te seguir sem me mover um passo porque não é preciso, simplesmente não precisamos mais do que um copo d'água pela metade para inventarmos a nossa realidade conforme o nosso humor. E seria completo em dividir esse desespero que é não me reconhecer e desconhecer o que tenho dentro de mim para sempre sendo isso que chamamos de nós dois e que você teima em chamar de um só. Deixa eu dizer que às vezes eu queria não ser nada, mas tão somente um sopro de brisa fresca para te iluminar o sorriso. Quanto desespero em vão, eu não choro mais. Já não tenho mais espaço para tanta mágoa e cada lágrima que sai traz de volta uma tormenta de dias já idos e vividos e teimados em reviver-se. Tanta coisa que eu já não consigo mais dizer o que é meu e o que inventei. O que eu realmente fiz porque queria e o que gostaria de ter feito para te abrir uma ferida e queimar o pouco que ainda sobrou de inteiro em você. 

vai sem duvidar, mas, se ainda faz sentido, vem.

Demorei tanto tempo para subir a escada que nem me dei conta de quão alto havia chegado.  Subi o primeiro degrau e logo fiquei um pouco preocupada por me parecer um trajeto íngreme demais. E para o segundo e o terceiro levaram tantos dias que pensei em desistir de me aventurar. O que me angustiava mais era o fato de que à medida que eu subia, notava como os degraus se tornavam cada vez mais estreitos, de modo a quase não caberem os dois pés lado a lado. Mas eu fui. Subindo, subindo, subindo. Corria nos mais curtos, para não arriscar ficar muito tempo parada e vacilar as pernas. De vez em quando, me sentia mais segura e dava uma pausa para retomar o fôlego. E quando de vez em nunca eu conseguia parar para pensar no que estava fazendo, notava que já havia ido longe demais para voltar. Como se o chão me parecesse distante e o topo fosse novamente a minha solução. Então, de repente, você apareceu. E achei que tivesse finalmente atingido meu objetivo e a partir de então tudo fosse deixar de parecer tão obscuro. Você estendeu a mão pra mim, eu te alcancei, joguei o corpo para trás e me entreguei. Agora tinha alguém para me segurar se eu tropeçasse, para me orientar se eu me perdesse e para me incentivar se eu pensasse em sentar ali mesmo e desistir. Quando me dei conta, nossas mãos não se tocavam mais, você já parecia um ponto perdido em algum lugar em que nunca cheguei, enquanto eu sentia o vento gelado da queda sem proteção e ansiava por novamente retornar ao ponto de onde nunca deveria ter saído.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

ano que vem.

Pois é. E foram cinco anos nessa vida enganada. Aceitei sua proposta para tentar garantir minha liberdade. Achava que fosse essa talvez a última chamada para o futuro. Não que no início não amasse. Amei. Amei demais até. Amei o início, amei o que vi, amei vários no caminho. Talvez por motivos que nunca admita de tão óbvios que de repente perderam o sentido. Uma dívida que não precisava ter assumido, mas que decidi encarar por simplesmente acreditar não haver outra saída. Precisava ser livre. 

Quem sabe se eu tivesse alguém pouco mais forte ao meu lado para me segurar o braço e dizer que talvez fosse precipitado demais decidir naquele momento. Acontece que a pessoa mais forte naquela época era eu mesma em pedaços. É triste, mas essa vida é minha, lhe peço perdão. Se eu não vivê-la, quem terá o direito de fazê-lo?

Se não inspirar sozinha, expirar meu ar, o que sai de mim, o resultado das minhas sinapses, sintaxes, osmoses e mesóclises, quem poderá? Se eu não digerir o alimento que escolhi engolir, mas uma farinha sem cor, gosto, nem vida, que energia será essa a me preencher? E se eu não amar o que me move, se não puder me admirar, mas tiver que me contentar com a satisfação daqueles que, se me amam, me condenam? 

Não sei se posso ser completamente eu. Sei que não sou exatamente eu. E me ameaço diariamente a uma condenação unânime e sem recursos em que sou meu próprio júri, meu juiz e meu comparsa no banco dos réus. E penso quantos dias mais permanecerei encarcerada em minha própria vida e inerte ao mundo que me engole sem piedade. Que me deixa à margem das minhas decisões e me pressiona cada segundo mais tentando fazer com que eu me dê conta de que estou morta em vida e que dentro de mim urge uma enorme vontade de viver essa vida anestesiada que já vejo sem amor.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

tá, tudo bem.

Se eu tivesse acordado mais cedo, talvez tivesse conseguido alcançar seu pensamento. Poderia ter sido um pouco cedo demais, para os dias comuns, mas, para nós, atipicidade é só mais um nascer do sol.

Seria menos doloroso não saber que aquele era o nosso último bom dia. Sem beijo de despedida, sem aceno de adeus. Poderia ter inspirado uma vez mais os fios de cabelo perdidos na sua nuca. Acho que teria preferido roçar meu rosto e afundar meu nariz nos cabelos do seu peito.

Ali, bem no meio onde encontro seu cheiro e gosto tanto de me aninhar. Quem sabe você não tivesse mudado de idéia? Ou não tivesse ao menos prolongado um pouco a manhã. Eu seria alguns minutos menos desilusão.

Eu te chamaria para perto e prometeria mais uma vez que tudo vai dar certo. Eu deixaria de ser tudo que eu sou, nem que fosse por um dia. 

Não usaria suas samba canção para dormir, nem roubaria seu último pedaço. Sem demoras para escolher a roupa, sem pedir para você comprar chocolate depois da meia noite. Não reclamaria que você está fumando demais, mas isso só por uma semana na melhor das hipóteses. Não ouviria mais algumas músicas só para te irritar, confesso. Não lamberia mais o sal da pipoca, nem deixaria o prato do jantar embaixo do sofá. 

Também não reclamaria do seu jeans encardido, nem das suas mensagens monossilábicas, não esqueceria de buscar a correspondência, não roubaria o edredon. Sem TPM e cólica por 3 meses. Compraria o pão todo domingo de manhã, tomaria feliz seu café ralo, não falaria que seus sapatos precisam engraxar e prometo não reclamar da comida da sua mãe.

Pensando bem. Talvez seja melhor você seguir. 
Eu não vou fazer nada disso mesmo. E sei que você gosta.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

and everyday you remind me how I'm desperately in need


Apesar de tudo, poderia passar a vida provando do teu veneno; ele fazia com que eu me sentisse alerta e viva. À beira de uma síncope, da perda dos sentidos, de um colapso, sempre à beira de. Em cada dose, uma cicatriz, uma tatuagem, uma marca para lembrar e carregar para sempre, e um rastro dessa substância viciante que me contaminava do bem e do mal. Que me deixou para sempre vestígios que não me deixam esquecer o que é um amor lancinante e fatal. Cada dose que deixou reservas escondidas em mim que eventualmente se liberam em gotas que ardem e adormecem meus sentidos, e diluem-se ao longo de dias que se estendem em noites sem fim. Malditos dias de solidão compartilhada à distância.
Mergulhos em lembranças de momentos que se escondem da rotina para não a transformar em suplício. Sonhos sem cheiro, para não acordar com o gosto da derrota de mim mesma ao me dar conta do quanto isso faz parte do meu dia a dia. Sem ver o que pode acontecer se eu continuar a me preocupar com isso, levando a vida sem a tensão, mas tampouco sem nossos delírios. E que delírios são esses se os vivíamos juntos?

sábado, 19 de junho de 2010

“No dia seguinte ninguém morreu.”

Foi com a morte de José Saramago que abri os olhos na manhã da última sexta-feira. Não acreditei logo na primeira página que abri e precisei confirmar a informação em pelo menos outras três ou quatro, até aceitar que de fato acontecera.

Saramago invadiu minhas prateleiras em 2002 quando li “Ensaio sobre a cegueira” e lembro-me de ter levado algum tempo para me acostumar com a estrutura do texto. No início, pode parecer confuso, confesso, mas uma vez compreendida a cadência da narrativa, a leitura torna-se uma experiência única.

De início, esclareça-se que sofro de algo que até então considerava um mal. Compro livros que permanecem na estante por anos a fio até o momento que eles me escolhem; frutos numa árvore de Babel que amadurecem e um belo dia caem no meu colo. É evidente que isso não é uma regra. Mas posso garantir que é exatamente o que acontece na maioria das vezes em que volto para casa com uma sacola recheada de novas aquisições. Às vezes teimo em colher algum fora do tempo. Dou uma, duas, três mordidas; contudo logo percebo que ainda não é a hora. Não é a minha hora.

No Natal de 2005 ganhei o “Ensaio sobre a lucidez”; anos depois consegui ler um terço do livro e estagnei. Comprei o “Evangelho segundo Jesus Cristo”; li algo em torno de 50 páginas, emprestei o livro e acabei dando de presente. O livro era mais dele do que meu. Ganhei “As intermitências da morte” e “A viagem do elefante”. O segundo tentei ler logo de cara, mas novamente ainda não havia chegado o tempo certo.

“As intermitências da morte” foi uma quase exceção a essa regra. Mesmo não tendo sido uma leitura imediata, ambos amadurecemos num período recorde se comparado aos demais. Surpreendente, inesperado e incontrolável. A minha forma de dizer o quanto é incrível foi emprestá-lo às pessoas que eu amo, sem dar pistas do que talvez ele pretenda dizer.

A morte do artista não me aflige pelo risco da popularização da obra; entristeço por saber que não ansiarei pelo novo título, pelo novo enredo, pelas lágrimas que me acometerão. Hoje, fui atropelada por uma ansiedade absurda das palavras que se foram para sempre, dos sentimentos que se esvaíram para dentro e que jamais serão compartilhados.

Pela primeira vez não me senti culpada desse estranho mal. Porque seria muito infeliz se chegasse à velhice sem algo inédito de Saramago em mim.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

out

É tanta coisa na cabeça que não consigo colocar pra fora.

Tô deslocada do mundo. É isso.

domingo, 14 de março de 2010

terceiro

Tinha o corpo curvado de um menino de 15 anos virgem e ansioso. As mãos unidas com os dedos entrelaçados transpiravam apoiadas entre os joelhos magros. Os olhos, de íris de um verde escuro que quase não se nota por baixo das lentes dos óculos que, às vezes, em teimosia não usa, como se assim parecesse mais seguro, piscavam devagar as pálpebras. 

Descobriu que a imponência e o poder que demonstra são uma mentira convincente aos olhares distraídos e impressionáveis. Aos de Fernanda, tudo se desconstruiu em poucos minutos: foi fácil fazê-lo assumir que prefere ser enganado a contariado e que se satisfaz com a ilusão consciente do domínio.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

pois é

Quando eu era garotinha, minha mãe sempre me dizia: 

"O QUE É DO HOMEM O BICHO NÃO COME."

É.
Eu devia ouvir mais a minha mãe.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

querida alice

Queria ter te escrito ontem, mas o calor não me deixou. Não que agora não faça calor, faz e muito. O sol tem nascido antes das 6 e nem estamos mais no horário de verão. E já que estamos falando do tempo, como me faz mal o verão! Não que me faça mal, mas bem algum me faz. Não consigo me concentrar, tudo parece se embaralhar com esse mormaço. Sinto, às vezes, o vapor que meu corpo exala, antes de a pele ficar grudenta como uma jaca. Rezo para que a chuva venha, ao menos para refrescar meu rosto, mesmo que da janela da sala. E rezo mais ainda para que o inverno chegue, eu possa me acalmar e sentir prazer novamente em ficar em casa lendo. Porque nesse inferno no qual estamos vivendo os últimos meses, não sinto vontade de nada.

Falando então nos últimos meses, penso agora nas últimas semanas. Quem sabe até nos últimos dias. Ou nas últimas horas. E sabendo que ninguém irá entender o que se passa, então digo a você: sinto uma incrível não necessidade de falar. Estou naqueles dias que existir basta. Que ninguém tem absolutamente nenhuma importância. 

Só um parêntese. Adoro quando me dizem que, para mim, as pessoas são descartáveis. Simplesmente amo. Amo a superficialidade com que as coisas são vistas. Amo perceber o egoísmo do outro. Enquanto estávamos ao lado, que valor tínhamos? O problema é que não entendem que nós cansamos. E quando cansamos, tudo vira nada. 

E nessa não necessidade de dizer, falar, cuspir, gritar, vomitar, etc, me pego aqui com você. Paradoxal, mas você entende. Acho que, na verdade, tento assim garantir que alguém me segure quando esses dias passarem, porque sei que, no meu caso, a bonança antecede uma tempestade.

Me dá de presente galochas, uma capa e um guarda-chuva? Prometo que te empresto quando chover em você.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

o louco

 

 "Eu sou Nada, posso vestir qualquer forma,
a forma de um rei ou de um vagabundo,
a forma da juventude ou da velhice,
a forma da estupidez ou da sabedoria.
Minha mochila está vazia.
Minha mochila contém o Céu e as estrelas,
o Sol e a Lua,
o mar, as florestas, as cidades com seus moradores
e o vento que vem do mar,
o vento onde voam os pássaros
e o vento de Luz, que vem das galáxias.
Não sei nada, o Universo é grande demais.
Eu compreendo sendo.
Para compreender o rei eu sou o rei,
para compreender a vida sou a vida,
para compreender o amor, amo.
Para compreender o relâmpago, eu caio do Céu,
para compreender o fogo, danço a dança das chamas,
para compreender você, sou você.
Para compreender o Divino, entro em comunhão.
Podem latir os cachorros e morder.
Podem morder as minhas roupas.
Não podem morder o Nada que eu sou."

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

quarta de manhã (v. Clarice)

Esperou por tantos anos que não se lembrava mais se era verdade ou não. Ele se impressionou com as pequenas coisas das quais ela se lembrava. Se assustou com as grandes coisas que ela o fez sentir novamente. Se esforçou para não se deixar apaixonar por ela mais uma vez, depois de todo esse tempo e de já ter conseguido se tornar indiferente àquele fogo que ela lhe acendia.

Clarice era apenas Clarice. Enroscando os braços ao redor do pescoço dele como numa noite de inverno.

quarta de manhã (v. Fernanda)

Olhando as estrelas pela janela, sentindo o suor dele escorrer por suas costas, ela previu todo o louco futuro de delícias que eles iriam viver.

Faltou-lhe ar, o peito esvaziou, até seu último suspiro se escondeu de medo. Se amariam profunda e arduamente, num misto de obsessão e desespero.

Por um segundo fechou os olhos tentando fugir do que via, cristalino. E, como já conhecia essa história, passou a mão em suas coisas espalhadas pela sala e foi embora sem deixar nem um olhar de adeus.

quarta de manhã

Ele tinha um jeito diferente de dormir. Inédito pra ela. Esperou que virasse de costas pra ele pra acomodar suas costas nas dela, apoiando o braço em seus quadris e repousando a mão em sua coxa direita. 

Do chão ela podia ver as estrelas que iluminavam a noite e sentir o vento fresco que invadia a sala. 

Sem espaço pra mais nada a não ser os dois, Tereza fechou os olhos e dormiu, enfim, pela primeira vez, nos últimos quatro dias. 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

segunda de manhã (v. clarice)

Amanhece e ele ainda tem confetes nos cabelos. Amanhece e ela sente a marchinha no peito. O dia começa sem acabar e eles ainda têm a sensação do calor do último abraço. O perfume do pescoço dele deixou um rastro no vestido dela, o vestido que ela pendurou no armário escondido no meio dos outros para tentar contaminá-los. O dia se ilumina, amanhecer lilás aqui, vermelho lá, o mesmo sol, que banha o mesmo mar, que conecta os dois. Ele encantado com tudo o que vê. Ela obcecada por tudo que sente.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

segunda de manhã (v. tereza)

Amanhece e ele ainda tem confetes nos cabelos. Amanhece e ela sente a marchinha no peito. O dia começa sem acabar e eles ainda têm a sensação do calor do último abraço. Ele ainda sente ela descendo das pontas dos pés apoiando as mãos nos ossos de seus ombros, mordiscando o cantinho da boca tentando fingir um não sorriso. Ela tenta se lembrar de como era o gosto da saliva dele, mas ele fez tanto pouco caso dela antes de ir, que fez questão de esquecer.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

segunda de manhã

Amanhece e ele ainda tem confetes nos cabelos. Amanhece e ela sente a marchinha no peito. O dia começa sem acabar e eles ainda têm a sensação do calor do último abraço. O perfume do pescoço dela deixou um rastro na camisa dele, a camisa que ele vestiu o travesseiro assim que chegou. O dia se ilumina, amanhecer lilás aqui, vermelho lá, o mesmo sol, que banha o mesmo mar, que conecta os dois, que choram de suave e inesperada felicidade.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

até então

Ela sabia. Sabia que se casaria com ele, desde aquele domingo, Iansã em ebulição. Achou engraçado o jeito que ele fingia dançar, meio encabulado, meio desajeitado, quase desengonçado. E sorria, como sorria.

Ele sabia que se casaria com ela. Enamorou-se por seus tornozelos com pingentes. Desde aquele início de noite, de quase temporal. Ela tinha o sorriso mais bonito que ele já vira. E descobriu que já era apaixonado por ele mesmo antes de vê-lo pela primeira vez.

manual de boas maneiras

Me beija. Na boca. As mãos. A nuca. De frente. De lado. De manhã. Na cama. No canto da sala. No tapete. Entrando no cinema. Saindo do motel. Caminhando na praia no final do dia. Antes de dormir. Depois do baseado. Com gosto de café. Me abraça. Quando eu sorrir. Sempre que eu chorar. Se sentir vontade. Antes de sair. Embaixo do lençol. Depois do futebol. Segura minha mão. Desliza os dedos nas minhas costas. Até o cóccix. Eu gosto. Pode ser também cafuné de pé. Beijo de esquimó. Piscadinha de longe. Só pra mostrar que está ali.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

de mãos dadas

Fernanda achou estranho pensar nele antes de dormir. Mal podia esperar para a hora que lhe entregaria o pacote. Ela ficava imaginando o que ele traria dessa vez.