segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ainda é cedo.

Não penso, não vejo, vivo e planejo fatos que não prevejo exatamente, mas que conheço efetivamente ainda que não tenha certeza de quem são as personagens a completar o cenário. Não que não veja. Na verdade, vejo vários rostos, às vezes os invento, mas nunca consegui preenche-los  todos num take só. E quando retomo a história, é para recomeçá-la desde quando a idéia se plantou em mim. Por vezes repito as cenas, mas muitas mais as excluo, aprimoro, embora nem assim consiga conhecer o final.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

sim.

Eu disse finalmente. A mim, a nós, por vós, por tanto tempo que esqueci de me lembrar da vida que passava rente ao chão batido a minha frente. Sou sua, quero sua, bebo sua,  tenho, corro, suo, choro, grito, vivo sua. Mudou o ritmo, o critério, o calor da manhã e das nossas pernas entrelaçadas pegajosas de verão. O esconderijo que criei desmoronou, e agora, eu me torturo, o quê é que a vida vez da nossa vida? Se não fosse por um dia e foi por e desde esse dia que eu me vi enlaçada na sua estrada sinuosa e me impûs limites desconexos e incoerentes para justificar a indecisão. Sim. Eu disse finalmente, como alívio e não como final. Eu disse e pensei, por que não disse antes, mas de imediato percebi que não faria sentido se não fosse agora. E se não tivesse sido assim, como estaria meu peito, senão inflado dessa ternura que me contagiou e hoje me aflige. Sim. Espero, desejo, aguardo, digiro, degluto, me lambuzo e não pretendo me esquivar.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

eu caetano. tu caetanas.

Há muita gente apagada pelo tempo nos papéis desta lembrança que tão pouco me ficou. Igrejas brancas, luas claras na varandas, jardins de sonho e cirandas. Foguetes claros no ar. Que mistério tem Clarice? Que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme no coração? Clarice era morena como as manhãs são morenas. Era pequena no jeito de não ser quase ninguém. Andou conosco caminhos de frutas e passarinhos, mas jamais quis se despir entre os meninos e os peixes. Entre os meninos e os peixes, entre os meninos e os peixes do rio. Do rio! Que mistério tem Clarice? Que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme no coração? Tinha receio do frio, medo de assombração. Um corpo que não mostrava, feito de adivinhações: os botões sempre fechados, Clarice tinha o recato de convento e procissão. Eu pergunto o mistério: que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme no coração? Soldado fez continência, o coronel reverência, o padre fez penitência - três novenas e uma trezena -, mas Clarice era a inocência: nunca mostrou-se a ninguém, fez-se modelo das lendas. Fez-se modelo das lendas, das lendas que nos contaram as avós. Que mistério tem Clarice? Que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme no coração? Tem que um dia amanhecia e Clarice assistiu minha partida. Chorando, pediu lembranças e, vendo o barco se afastar de Amaralina, desesperadamente linda, soluçando e, lentamente, e, lentamente, despiu o corpo moreno, e entre todos os presentes, até que seu amor sumisse, permaneceu no adeus, chorando e nua, para que a tivesse toda, todo o tempo que existisse. Que mistério tem Clarice? Que mistério tem Clarice, pra guardar-se assim tão firme no coração?
Caetano Veloso

domingo, 2 de janeiro de 2011

da manga rosa quero gosto e o sumo.

E daí. Vou dizer coisas das quais você não irá gostar. Provavelmente porque são verdade. E se umas delas for que não te desejo mais. Então deverá ser porque não mereço seu amor. E isso não vai te doer. Não mais do que me perguntar porque ser eu mesma não bastou. Bastou, mas não foi o suficiente, o que não é igual. E o que faltou para ser. Um dia sem se mostrar traiçoeira. Sem você duvidar. Um dia acreditando, o que também não é igual. E o que seria. Enxergar. E viver, onde fica. Perdido ao longo da paisagem.