segunda-feira, 28 de março de 2011

a barca.

Era como um sonho sem fim. Quinze dias em um, a contagem das horas não os pertencia, não havia começo nem entardecer, tudo era apenas um único momento, dividido em sequências indivisíveis, de impossível demarcação, seguindo uma falta de sentido social ditada pela vontade: sem freios, acronologica, permissiva. Um não viver do tempo e um entregar-se a ele sem resguardo, impróprio, vivia-se simplesmente, todo o necessário estava ali, um bunker, um refúgio, nada além de uma atmosfera sólida o suficiente para que se bastassem. Ler, comer, ser comido, beber, ser bebido, fumar, ver, tocar, banhar, chorar, dormir, sonhar. Fora da ordem, não nessa ordem, criada uma ordem despida de autoridade, esse sonho sem fim, um dia que não anoitece, luzes que não se apagam, simples demais, vivia-se. Enquanto o mundo acordava, brindava-se vinho tinto, ouvia-se jazz e dançava-se tango. Sem ordem definida, simultaneamente. Pablo Rodrigues, Nelson Neruda, Arnaldo Ben Jor, Jorge Antunes. Saliva, suor, mania, macia, caía, caiada. O ar era multicolorido e os ventos, ah, esses circulavam aflitos, buscando espaço entre os pensamentos que se degladiavam à procura de oxigênio, escasso alimento para a metamorfose das idéias que faziam amor sem cessar. Não era possível dizer em que se agarrava o primeiro elo da corrente que os aprisionava em si mesmos, osmótica, visceral e surpreendentemente etérea. Não havia senão, talvez, amanhã. Era-se. Amava-se.

terça-feira, 8 de março de 2011

carnaval de manhã.

Meu olhar continuou te buscando na multidão, mas esvaziar o copo me impediu de fugir. E eu queria continuar pensando em você, e que você aparecesse como se me esperasse só pra me tomar pelo braço e se embrenhar no meio do povo. Você beijando os nós dos meus dedos fundidos nos seus.

Impossível, de fato, tão bem assim. Nesses mesmos dias de hoje, em que a gente escolhe o que quer ser sem se preocupar com os olhares dos medíocres. Tudo isso seria hoje, algumas horas a mais.

A saia dessa vez deixei guardada no armário. Como seus enfeites, cujos detalhes não quero comentar, eu evito lembrar de como lhe caíam bem, e também os guardo no fundo do meu armário. Junto com a saia, que nunca mais será a mesma, tapete na sala de jantar.

E quando me tomaram a mão dessa vez, eu fechava os olhos e só via você, daqueles que não se encontra tão facilmente, não naquele verde, não daquele tom.

Não seria pouco se eu dissesse que além de tudo, não do que passou, mas do que eu sei que viria, eu sinto falta daquela sensação de saber que você desconstruiria o que eu achava que sabia sobre desejo. E muito, mas muito mais do que isso, porque isso efetivamente foi consumado. Mas, principalmente, sobre entender que ter é muito mais do que possuir.

tereza, fernanda e clarice de manhã.