terça-feira, 21 de junho de 2011

é água no mar, é maré cheia ô mareia ô, mareia.

Seria apenas lembrança se a vida não tivesse mudado meu destino. Ouvi dizer que a vida valeria a pena se eu não temesse a solidão. Eu a enfrentei. Eu a derrotei, pisei nela com pegadas de gigante. Eu encontrei minha fé novamente, minha fé em dias de modesto ronronar, de festa dançante em noites de quinta-feira, a quinta ensolarada que me inspirou sonhar com você pela segunda vez. Eu sou o mundo que lhe rodeia, a nota impossível de alcançar e lhe digo que as noites não precisam ser mais tão frias, mesmo hoje no primeiro dia de nosso primeiro inverno assim. Porque os outros começaram sem que se fizessem notar. A minha satisfação em lhe abraçar novamente sob a maresia em lua minguante não tem salvação. Não tem tamanho, não tem símbolo, penar, e bola de cristal nenhuma mostraria a moléstia em clarão sem lhe trazer pavor. Eu lhe disse que a minha dúvida não era quanto ao meu pedido, eu não peço, eu mordo, me faço num pedaço de sua carne macia em meu sossego, em meu silêncio, em minhas medidas sem requinte e encharcadas de paixão. Enquanto o vento sopra para longe as suas angústias, eu acompanho surda a paisagem, inspiro cega o cheiro do mar que nos abocanha mais uma vez, nos dando tacitamente a permissão indômita para prosseguir, para finalmente aceitar que se ele não pudesse prever o que se desenrolou sob suas ondas, não nos teria trazido até aqui novamente para sua benção. Enquanto as ondas quebram no meu sonho, o seu se esvai por caminhos distantes, alheio a qualquer passo que escolhemos dar. E eu sei que é o nosso primeiro sim a um mundo inteiro de novenas, de caravelas mercantes a nos embalarem em sonos compartilhados de anseios e de conquistas de ternura e afeto. Eu não seria eu se não lhe desse meu amor como ele se apresentou a mim, eu não seria justa comigo, antes de com você, pois se a vontade de lhe ter é maior que a vontade de me achar, eu espero para me encontrar quando chegar a hora de dizer que quem sabe o passado não tenha sido uma garantia de que o hoje não seria interrompido por amores desfalecidos e inertes, isentos e incólumes, humanamente destituídos dessa luz que nos envolve sem doer. Eu não sabia que para amar era preciso ser reduzida ao meu caráter, ao ruído sincero que o coração faz quando se ajusta ao ritmo de outra pulsação. Eu não sabia que para sonhar com a verdade era preciso lidar com a vergonha de admitir que ele não me ensina nada, mas que eu me livro, isso sim, a partir dele, daquilo que um dia preferi desconhecer.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

pela frente, pelo verso: vamos comê-lo cru.

E se resvalo meus seios em sua pele é você quem pede: me condenam por sentir na carne o que minha alma já traz em desalinho. E se sua voz me guia por quase cantos, quase pontos, quase notas, eu encontro a melodia do teu corpo em compasso com o meu, uma velha mania que eu adquiri com o tempo, tentar entender o que o seu peso me diz, o seu ar expirado, o pulso que me derrama restos dos estilhaços de prazer. E escorrego os dedos no meio fundo de suas costas, dos quadris aos ombros, e os abro para não perder nenhum centímetro do seu deleite. Sinto que meu sangue vai jorrar pelos poros, desidrato, arfo, e o peito fechado não me deixa respirar em paz. Me falta ar. Te devoro em mil palavras, em mil perguntas, em novecentas mil respostas que seu corpo me dá. Seu perfume me contamina, um visco doce que gruda minha pele na sua, um sem número de vezes eu e você, eu e você, e você se torna eu mesma. E como seu prazer que é meu, como seu olhar que é em mim, como sua boca em carícias, seu ventre esmago entre minhas mãos espalmadas. Te invado, uma brisa de ternura não me deixa esquecer quem é você, mas logo me lembro que agora por fim lhe reconheço, e só assim foi possível entender o que o amor me impedia. Não o meu. O meu eu desvendei em uma noite, em outras horas, sem locais, sem pátria, sem minúcias, sem referências. O meu eu entendi com o seu calor no meu ombro, meu hálito em seu pescoço e disse que seria assim o meu rito de luxúria, pois só com você a mesa é pequena demais, o começo é desespero em cores, o passo dado é uma porta aberta, a mão que afaga também me alenta e eu, sou eu somente, enquanto você dorme embaixo d'água. 

sexta-feira, 10 de junho de 2011

você tem sede de que?

Manoel acorda com um beijo de Maria e desperta com um longe sussurrar no pé do ouvido: se despeça. Ele vive sem esperar um dia que se ponha em luminosidade diversa. Ele se esquiva das adversidades do dia que se apresenta, Olá. Ele se expõe às exigências da manhã que lhe exige posturas finitas, amarradas por lenços de papel. Se rasga. Manoel segue e chega afinal ao restaurante que o alimenta todos os dias. Sem suspirar ele cede aos pedidos impacientes de quem tem fome e pensa que talvez os clientes não tenham tanta fome de comer. Ele escreve o que lhe ditam, toma nota dos anseios alheios e se esquiva novamente. Manoel não acredita no amor, ele prefere os vinhos. Os vinhos não se lamentam quando se acabam as garrafas ou quando as rolhas se quebram, isso fazem as pessoas, mesquinhas, humanas, ralé. Não se queixam de serem esquecidos nas adegas,  se mais profundo o sono, maior a expectativa para serem degustados, mais importante o dia de serem desfrutados, eles não tem pressa de se tornarem conhecidos. Não desejam durar para sempre; são o tempo da garrafa, 6 taças elegantes que giram e giram e giram entre os dedos daquele que em seguida lhe afundará o nariz para tentar decifrar sua essência. Que pretensão, eles diriam, malditas pessoas, humanas, mesquinhas, fúteis, ralé. Manoel não acredita na solidão, ele ainda prefere os vinhos. E sempre se serve do último gole das taças recolhidas das mesas no final da noite. Manchadas de batom, de lágrimas, de molho de macarrão. São apenas taças, ele pensa, o vinho é que carrega a verdade de cada um deles. Ele não era capaz de dizer o que traz a saliva que se mistura ao último gole, mas sabia que se ontem sonhou com uma casa de madeira escura, hoje era dia de se molhar de tristeza por um coração que já morreu.

Ao roterista.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

não sei de nada e não sou de ninguém.

Me empresta seu isqueiro? é frase feita de dias de frio próximo a bancas de jornal por aqui no Rio de Janeiro. Ao parar por ali para a pausa diária, a reflexão vespertina, o break entre um pepino e outro para resolver e sempre ela estará lá, a mão estendida a pedir fogo. Se eu soubesse que seria assim, eu não teria nem emprestado a primeira vez. Um círculo vicioso, um mão em mão que se propaga, quase um sabonete de quartel. E eu hoje pensei que várias vezes eu chego em casa, e entre um cigarro e outro, tentando segurar mais coisas do que posso, carrego o isqueiro na boca. Caralho!, o mesmo isqueiro imundo que passa entre os dedos de várias pessoas sedentas pela chama, a minha chama. Cansei de emprestar meu isqueiro, não me pede mais, por favor? Eu empresto hoje aqui e deixo de acender meu cigarro lá. O meu cigarro não o seu ou de um cara desconhecido na rua. Meu fogo, minha chama, meu calor, o que não se dá assim em qualquer esquina ou banca de jornal. Compre o seu meu senhor, direi da próxima vez, ou Aqui do lado vende, compra o bic jumbo que dura mais. Cansei de dividir meu fogo. Daqui a pouco a coisa se estende de um jeito que logo estarão me pedido um trago do meu próprio cigarro. 

sexta-feira, 3 de junho de 2011

arrasa o meu projeto de vida.

Obrigado pela vista. Acordar assim todos os dias seria como nunca despertar, viver um sonho azul de céu com algodão, água quente e vinho branco no almoço. Eu não queria saber de ontem, amanhã eu nunca vi, mas hoje, o dia era seu, uma rosa vermelha no ombro esquerdo, breves tolices de se contar. Quase não me lembro de ter te dado bom dia, acho que não dormi, sem dúvida ainda não abri os olhos. O inferno é aqui e o paraíso que encontro em seu sorriso é maior do que os vícios da rotina. Ninguém me contou o que seria possível de dizer se outros dias não se mostrassem assim. É que eu esqueci como era abrir os olhos e ter com quem dividir a vida. Não seria tormento prosseguir na natureza que me devolvia essa rotina, eu quase não era capaz de dizer quem ou quando, mas definitivamente o porquê de ser assim; o que eu nunca fui capaz de dizer, as delícias que são as graças de deus, esse mesmo deus que me traiu e me devolveu a falácia. Esse mesmo deus que se envolveu em nosso consolo, um ponto de luz sem destino, uma derrota sem caratér de batalha. Quando sem saber eu fui adiante, olhei a rosa, olhei o encanto da mania de ser muito mais próxima de mim, eu constatei que eu estava em cima do muro e observava a condição, a minha, de um ângulo muito mais favorável. Não, eu não decidi para qual lado descer, eu subi e firmei os dois pés no trecho esguio de tijolos e segui. Eu percebi que o meu destino era estar acima de qualquer suspeita de negligência, eu, vertiginosamente me esquivei da sua beleza e mergulhei no acordo de fé, fé de que tudo seria melhor se eu não soubesse de onde tudo isso vem. Quase não consigo mais dizer o que é meu e o que eu apreendi: apreender, não aprender, demanda observar, caminhar ali, de onde estava, e observar o quão longe eu ainda poderia ir sem deixar meu corpo ir ao chão. A solidão é vã, você me disse. Eu concordei com você e assinei: é vaga, é mera hipocrisia dessa família que chamamos nós. Uma desculpa para nos encontrarmos e sorrirmos. Já tenho certeza de que acordei: eu posso ver o fim da trilha e você, sem sombra de dúvidas, não me espera lá. Você se foi, como um dia que começou ao meio dia e terminou duas horas depois. Um sopro de felicidade que abriu meus olhos para o nada que me rodeava. Um tanto de magia e desespero, sim, mas quanto mais a gente deseja, menos a gente quer. A insatisfação e o prazer são inimigos mortais - uma singela diferença: enquanto eu prossigo, você se destitiu de todas as suas vontades, satisfaz sua malícia em me enganar. A quase vida que eu tive enquanto você navegou por aqui não me perfuma mais. E eu, ainda que tente me esquecer, penso na rosa vermelha e em como ela não me parecia clichê.