sexta-feira, 25 de setembro de 2009

baby goodbye

Fernanda o desejou mais uma e talvez pela última vez, depois de tanto tempo. Chegou a imaginá-lo na cama suada virando-se de lado, de frente para a parede, pensando em como a ama e a vendo deitada, completamente apaixonada pelo outro agarrado em sua perna, enquanto fuma um cigarro antes de dormir, para ser acordada pelos dias que nunca imaginou que fosse viver.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

em suma

Para si mesma,
Clarice é feliz,
Fernanda é livre,
Tereza é indiferente.

Para a família,
Clarice é mãe,
Fernanda é forte,
Tereza é um caso perdido.

Para a sociedade,
Clarice é convencional,
Fernanda é excêntrica,
Tereza é uma ameaça.

Para o analista,
Clarice é uma fraude,
Fernanda é uma farsa,
Tereza é um cristal.

No amor,
Clarice acha que sabe,
Fernanda sempre se entrega,
Tereza tomou horror.

Pela manhã,
Clarice não gosta de sexo,
Fernanda não gosta de acordar só,
Tereza está indo dormir.

Na cama,
Clarice fecha os olhos,
Fernanda olha nos olhos,
Tereza olha para o espelho.

Na realidade,
todas elas,
e todas as outras,
numa

só.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

pra cima de mim?

"Eu não entendia, não entendo e nunca poderei entender - veja bem, ela dizia me amar. Sim, claro, eu sou uma doente mental que acredita no que nos dizem quando querem nos comer."

"O efeito Urano" - Fernanda Young

*ainda na página 19 e mal posso esperar pelo final

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ponto final

Tereza entrou no ônibus ajeitando a saia e tropeçou no último degrau da escada. Pagou a passagem, passou a roleta e dali mesmo o viu. Em duas piscadas traçou toda a estratégia para se fazer notar por ele. Sentou no banco baixo em frente ao dele, sempre no corredor; e ele na janela.

Ainda sentia o hálito quente do beck que tinha acabado de fumar e a respiração dele exalando álcool soprar no seu pescoço. Começou a procurar as chaves, adiantando o trabalho de achá-las na porta de casa.

Apesar do ar condicionado, ela podia sentir o cheiro da chuva que se aproximava e por um segundo, naquele dia infernal, encostou a cabeça no banco e suspirou.

Ele olhava ela de cima, podia ver seus tornozelos roçando uns nos outros e uma pétala de rosa vermelha que vazava atrás da orelha direita, escorregando pela nuca, se escondendo entre os fios de seus cabelos. Não sabia se o perfume era dela ou da flor e sentiu-se um pouco alto demais quando se viu pensando nisso. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo inteiro e apertou os joelhos com as mãos geladas.

Ela ainda ouvia a música que tocava no rádio quando passou pelo bar em frente ao ponto e conseguia ver seu reflexo pelo vidro da janela, fingindo que não a notava. Começou a estalar os dedos, primeiro pressionando os indicadores com os polegares da mesma mão e nesse movimento ele pôde ver as três alianças idênticas que ela usava em um só dedo da mão esquerda. Os três homens da minha vida, meu pai e meus irmãos, como um dia ela lhe contaria.

Enquanto o ponto final se aproximava, Tereza começou a vasculhar a bolsa, sacou uma boleta de cartão de crédito, escreveu seu telefone nela. Levantaram-se; ele primeiro, ela, logo em seguida; e assim que a porta abriu, guardou o papel no bolso de trás da calça dele.

E antes que chegasse na porta de casa, junto com as gotas grossas de chuva que começavam a lhe molhar os pés, ouviu pela primeira vez a voz do Beto, do outro lado da linha.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

clarice (a lispector)

Semana passada de bobeira zanzando pelo site do Rio Show, encontrei essa peça. Ali, logo do lado do escritório, no CCBB. Meia entrada, 5 pratas.

Ontem estava aqui e mandei esse conto pra Fernanda. Qual foi minha surpresa ao reconhecermos o mesmo bendito e adorado conto na peça hoje.

"(...) Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe."

"Perdoando Deus" - Clarice Lispector

'Simplesmente eu. Clarice Lispector' @ CCBB, adaptação, direção e interpretação: Beth Goulart, 4ª a dom, 19h, até 04 de outubro, 3808-2007.
(chegue cedo, hoje quase não conseguimos ingresso)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

brincando com fogo

O sonho da Tereza sempre foi provar pra todo mundo que ela era o amor da vida do Beto. Ela fez de tudo, alimentou todas as vontades dele. Entre quatro paredes, era um capacho que de longe lembrava sua selvageria natural. No início, ele até que gostou, mas aos poucos aquela submissão o foi deixando um tanto claustrofóbico. Ele já não aguentava mais tanta cobrança, tanta crítica e começou a sentir pena dela.

E, então, um dia ele conheceu a mãe do futuro filho dele e soube disso no primeiro segundo que a viu, só pelo sorriso que ela deu sem abrir os olhos. E ele tinha cada vez mais certeza disso, na medida em que ela pouco se importava com ele, enquanto a Tereza - e todas as outras - se estrebuchavam no chão esmolando um espaço na sua alma.

O Beto não se reconheceu e se desesperou no dia em que sentiu saudades dela e muito pior quando se viu ardendo de ciúmes. Ele não escondeu dela o revertério que sentia com ela por perto e enlouquecia cada vez que ela achava graça da situação.

Foi nessa época que a Tereza invadiu a casa do Beto e num surto psicótico tentou incendiar a casa dele.