domingo, 31 de maio de 2009

itália

Fernanda voltava pra casa, domingo à noite, nada absolutamente para fazer. Nas ruas ao redor, duas igrejas, cinco botequins, uma sorveteria e uma locadora. As pessoas andando sem notar que as luzes aos domingos ficam sempre mais amareladas e, meio sem rumo, ia pensando se pedia uma casquinha de creme na sorveteria.

continua.

sábado, 30 de maio de 2009

beto

Quando a Tereza conheceu o Beto ela não era assim.

Aliás, quem nunca teve um Beto na vida?

Então a Tereza conheceu o Beto. E ela não era assim. Ela tinha o maior sorriso do mundo e gostava de abraçar as pessoas. Gostava de tocar violão sozinha no quarto e de comer brigadeiro na colher. Todo mundo queria a Tereza e a Tereza não queria ninguém. E o Beto ali.

Um dia Tereza começou a querer o Beto, mas o Beto não podia querer a Tereza. Aí a Tereza saiu com o Carlos, com o João, com o Leo e com o Guilherme, e nem sabia por onde o Beto andava.

No fim, a Tereza ficou com o Beto, depois não mais, porque foram uns tontos. A Tereza sempre achava que os outros eram mais carinhosos que o Beto, e o Beto sempre achava as outras simplesmente as outras.

Aí um dia a Tereza viu o Beto com outra e achou que ele era o cara mais carinhoso do mundo. O Beto olhou pra Tereza e achou que a Tereza agora fazia parte das outras.

terça-feira, 26 de maio de 2009

301

Ela morava num desses prédios antigos que a gente sobe de escada e joga a chave pela janela quando chega uma visita. A sala era grande até, mas tinha muitas coisas espalhadas. A parede da esquerda era uma estante de prateleiras que ia do chão ao teto, dividindo-se entre livros, CD's, uma TV sem controle remoto, uns DVD's jogados e mais uma porrada de coisa empoeirada que a Luiza trazia das viagens. Pra eu me lembrar de todas. Ela já tinha perdido a conta do número de cidades que já tinha visitado.

Em frente, tinha uma janela dessas de abrir para o lado de fora do cômodo. Um dos vidros estava faltando um bom pedaço e ela É bom que sempre refresca. Na parede da direita se via um sofá vermelho em "L" que ficava um assento embaixo da janela. Ela disse que ali era seu canto preferido porque podia apoiar o cinzeiro e o que estivesse bebendo no parapeito de mármore enquanto assistia à TV ou via o movimento da rua.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

bom dia, Tereza

Tereza acordou finalmente. Abriu os olhos com pressa esquecendo-se de onde estava. Cheiro de mofo, álcool, fumaça e foda. Putaquepariu, Tereza! Quem é esse cara?

Começou a catar as roupas pelo carpete imundo. Caralho, cadê minha calcinha? Olhou para os lados e se perguntou como conseguiu trepar num lugar azul daquele jeito. Tudo era azul: o papel de parede rasgado, os lençóis, as flores, até o banheiro era todo azul. Porra, Tereza, isso é hora de cismar com a cor do quarto?

Estava ficando enjoada com aquele cheiro e não achava a calcinha. Foda-se, vou sem. Olhou-se no espelho e congelou. Ficou chocada com seu estado. O olho continuava preto do lápis derretido, mas agora descia pelas olheiras. Tinha umas marcas de dedos no pescoço e do lado esquerdo do rosto, de um jeito que parecia um mapa de sangue pisado. Mas que merda hein, Tereza? Haja pó pra cobrir essa porra! Tentou abaixar o cabelo, mas não deu muito jeito.

Cacete, onde foi parar minha calcinha?! Ai.

Tereza ficou na dúvida se acordava o otário ou não. Otário dormia bêbado babando no travesseiro com a bunda pro alto. Que bunda gostosa hein, Otário? Ela ficou na dúvida também se ajudava com uma grana pra pagar o quarto e tal, mas olhou em volta e pensou que, pelo azul, não ia sair tão caro assim.

Ele paga sozinho.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

mais uma dose pelamordedeus (versão Tereza)

Tereza não aguentava mais enxugar as lágrimas. Se sentia uma idiota, uma tonta. O lápis preto no olho todo borrado, um nojo. Que merda, hein, Tereza? Ele continua um babaca?

Virou o copo e pediu a 5ª dose de cachaça da última hora. Boteco barato, um calor do caralho e Tereza lá. Não desistia de se torturar. Vergonha infinita. Teimava que ainda tinha alguma coisa pra chorar de ódio. Mas não tinha. E ela transformava as lágrimas desejadas em doses e doses de cana.

Olhou pro primeiro otário que apareceu e deu pra ele. Só pra acordar de manhã com ainda mais culpa.


mi amore

Fernanda está apaixonada. Ela conheceu sem compromisso um cara com compromisso e sonhou com ele semana passada.

Ele estava deitado de bruços ao lado dela, sem camisa numa cama branca, grande e macia. O rosto virado para o outro lado, deixava virados pra ela os fios pretíssimos dos cabelos que escorriam um tanto compridos pelo travesseiro.

Ela via o sol radiante e desfilava as pontas dos dedos no sulco das costas dele até ser cerceada pelo lençol que o cobria, quando ele se virou para ela abrindo um olho de cada vez.

Até agora foi só isso que ela conseguiu e, às vezes, pensa que é melhor assim. Saber que não pode. Tocar e não pegar. Fingir que é brincadeira. Desculpas esdrúxulas. Fernanda prefere desfrutar o jogo, sem pressa para conquistar a vitória. Até porque quando alguém ganha, o jogo acaba e aí acabam também a vontade de se arrumar antes de sair, o vazio no peito quando vê e as borboletinhas no estômago que chegam a tirar sua fome.

Se ela ganhar, acabou a incerteza, a dúvida, a liberdade, o fingir que não está entendendo o que acontece, os beijinhos de canto. Tudo passa a fazer parte da realidade, surgem as dúvidas, as obrigações e os questionamentos. E, então, Fernanda não sonha mais, o desconhecido se esgota em muito pouco tempo, ela se entedia novamente e se lembra de que gosta dele, mas que também gosta de muitas outras pessoas.

mais uma dose pelamordedeus

Clarice preferiu não questionar a conta e pagar sem se preocupar em como. Amanhã eu penso nisso. Só queria sair dali. E rápido. E levantou e foi trocando as pernas até a mesa do fundo, onde ela tinha passado a noite quase toda perdida. Luiza.

Enquanto ajeitava o vestido, arrumava os cabelos e tentava achar um beck na bolsa revirada, tentava ainda decidir o que ia dizer pra ela.

sábado, 16 de maio de 2009

silencio




Hoje
Clarice precisa beber,
Tereza se cansou de enxugar as lágrimas
e
Fernanda decidiu se apaixonar.




crónica realista

En la esquina de la Rua do Ouvidor con la Rua do Carmo, hay aquel hombre que veo todos los días. En verdad, es un mendigo, quizás el más sucio que he visto en mi vida. No tiene más que cuarenta años; su pelo y su barba son largos y negros y están siempre enredados y casi no se pueden ver los hilos de tán pegajosos que son.

En frente del restaurante Bon Profit hay unos bancos verdes para sentarse. Mi mendigo pasa la mayor parte del día acostado en los bancos y creo que hay uno que le gusta más. Siempre que lo veo está fumando un cigarillo y en la otra mano sujeta otro apagado. Lo que me llama la atención es que tiene siempre una sonrisa en la cara, no tán corriente en la cara de las personas que caminan por allí. Además, parece relajado todo el tiempo, como si no tuviese que preocuparse por nada, aparte de los próximos cigarillos que fumará al largo del día.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Meursault

"Acabei por não me entediar mais, a partir do instante em que aprendi a recordar. (...)

Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia poderia sem dificuldades passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar. De certo modo, isso era uma vantagem."

O estrangeiro - Albert Camus