sexta-feira, 12 de outubro de 2012

de dia lágrimas à noite amantes.

Moro no décimo quinto andar de um prédio de fundos numa rua embolada de outros tão altos quanto o meu. Cercado de muita gente e seus diversos e ilimitados sons, eu vivo só, nesse apartamento justo demais para duas pessoas. No caso, somos eu e meu piano que habitamos há alguns meses esses 45m². No inicio, eu me incomodava com tanta gente falando, brigando e se amando o dia inteiro; o movimento não pára nunca, é um entra e sai constante de pessoas de todas as idades e personalidades, é difícil um período de completo silêncio durante mais de uma hora. Ainda sinto falta daquele som que acontece quando nada soa ao redor; nessas horas eu consigo parar de pensar em tudo, a única coisa que me vem é que estou vivo, e regulo meu estado de espírito de acordo com a velocidade que meu coração bate, vezes mais rápido, vezes mais devagar, outras parece quase não bater. Algumas vezes, não muitas, isso acontece, entre quatro e cinco da manhã, o que me força invariavelmente a deitar com o céu claro. Isso me obrigou a instalar um blackout na janela e a usar meus tampões de ouvido para dormir, o que não é nada confortável, mas consegue diminuir os ruídos em meus sonhos. No meio da tarde, acordo e vou ler o jornal já defasado enquanto tomo café. Todos os dias eu penso, vou acordar cedo, amanhã eu quero tomar café, comer um sanduíche, estou necessitado de sanduíches, estou com desejo. Acabo sempre dormindo muito tarde e não consigo acordar; quando desperto, meu apetite já se foi, ou acaba indo embora com o cheiro de comida que se mistura pelo ar, já que é a hora regular do almoço. É no final do dia que vou sentar ao piano para agora, eu, contribuir para o caos sonoro. Em regra, toco por umas três horas sem parar, o que acredito ser bastante justo, visto que é o único momento do dia em que faço barulho. Há alguns dias, trabalhando numa peça um bocado intensa, meu punho direito reclamou e fui obrigado a parar um pouco antes. Preocupado e incomodado, fui até a janela fumar um cigarro. Era o sexto dia de chuva consecutivo, depois de quase um mês sem uma gota d'água cair do céu. Buzinas, sirenes, vozes, telefones, relógios. Apesar de estar nos fundos, estou de frente para os prédios da rua atrás da minha. Entre eles restam apenas três casas, e só uma delas serve de moradia, visto que uma virou igreja evangélica e a outra um centro de terapias holísticas. Eu vivia me perguntando como o pessoal conseguia se concentrar com a cantoria da casa vizinha, até que mês passado se mudou para o apartamento ao lado do meu uma família evangélica, com a qual inclusive já cruzei na porta da igreja, e então passei a ter minha vida embalada pelas músicas que se repetem ao longo de todo o dia, até que eles saiam para o culto. Depois de duas semanas, eu já tinha me acostumado e até estranhava o dia quando não havia ninguém em casa. Bem em frente à minha, quase todas as janelas estavam acesas; lustres, abajures e telas de TV davam ao prédio uma aparência de árvore de natal, com pisca-piscas coloridos e sincronizados, e me trouxe por alguns segundos o cheiro das rabanadas da minha avó. Exatamente na mesma altura que eu, havia acesa uma lâmpada azul, que servia de adereço para o topo da árvore de natal, bem no meio, no último andar. Era uma varanda enorme e estava escancarada apesar da chuva, provavelmente em razão do calor que fazia em contrapartida. As cortinas estavam completamente abertas e as portas de vidro me davam visão total do cômodo que devia ter o mesmo tamanho do meu apartamento. Estava completamente vazio quase: havia uma cama no canto direito, um armário na esquerda, e na parede oposta à varanda um imenso espelho. Nunca consegui entender de onde ela veio, só sei que de repente surgiu no meio do quarto já em movimento e era linda. Estava vestindo uma combinação de várias roupas, meias, um collant, uma calça por cima, algo em torno dos tornozelos, e os pés descalços. Os cabelos escuros estavam amarrados no alto da cabeça numa espécie de coque que deixava escapar alguns fios na nuca e na frente do rosto. Os braços se moviam suavemente em contraste com os passos firmes e os ângulos obtusos que faziam as pernas. A mesma coreografia foi repetida cinco vezes, quando ela finalmente, exausta, parou. Alguns segundos depois, a porta se abriu e sua mãe lhe chamou com o olhar. Já era hora do jantar provavelmente e ela precisava ir. A luz se apagou, mas eu ainda fiquei ali por uma meia hora. No dia seguinte, acordei aflito, de um sonho do qual não conseguia me lembrar, mas com a pele ainda vibrando de tão real. Demorei alguns minutos para conseguir me mover, me levantei e fui fazer o café. Ainda chovia lá fora, mas menos do que no dia anterior; não ouvia nenhum som de rádio, a vizinha devia ter ido ao mercado ou algo assim. Fui até a porta pegar o jornal, mas não havia nada lá, o porteiro provavelmente esqueceu ou deixou no apartamento errado. O piano ainda estava aberto, me sentei na banqueta e olhei para a janela. Do outro lado, tudo estava fechado, agora vejo que não são cortinas, mas persianas também azuis que destoavam do dia cinza. Como um relâmpago fui atravessado por imagens de início turvas e desconexas que aos poucos foram se organizando não pelos movimentos mas pelos sons. Toquei durante cinco minutos sem parar, estava pronto o primeiro movimento. Ele se repetiu nota por nota durante uma hora, quando por fim consegui lembrar de todos os detalhes da coreografia com que sonhei, a mesma embalada na outra noite pela melodia das gotas caindo nos telhados. Meu corpo todo queimava como no sonho, um calor inexplicável, a temperatura havia caído vertiginosamente durante à noite. Sem mudar nenhuma nota, escrevi tudo para ter certeza de que estava pronto. O dia se arrastava e então me dei conta de que o sonho havia me acordado muito mais cedo do que o normal, mas a essa hora não estava com nenhum apetite. Às cinco da tarde a luz já estava mais baixa do que de costume, a chuva havia diminuído consideravelmente, mas ainda havia muitas nuvens no céu. Às seis já era noite e as luzes começaram aos poucos a serem acendidas. Então, ela chegou. A roupa úmida da garoa, os cabelos agora soltos, passavam um pouco dos ombros. Ela deixou tudo em cima da cama e saiu do meu campo de visão. Quando voltou, havia se trocado e o coque estava lá novamente, dessa vez impecável. Corri para o piano e ao primeiro movimento, comecei a tocar. Seu rosto mudou imediatamente a fisionomia, os olhos se cerraram e a boca se abriu de leve involuntariamente. Os braços ainda eram suaves, as pernas um pouco mais obtusas, o corpo ia ao chão muitas vezes e a cabeça girava e voltava ao mesmo ponto numa velocidade que meus dedos não podiam acompanhar. No meio de tudo a porta se abriu o que nos interrompeu quase simultaneamente. As mãos se moviam muito, a princípio eu não tinha entendido, mas não demorei a perceber que ela não podia ouvir, e por isso ontem se surpreendeu quando a mãe entrou no quarto. Eu tinha pensado que não havia batido na porta, mas a verdade é que de nada adiantaria. Fiquei imóvel, decepcionado. Ela nunca iria me ouvir, nunca entenderia o que estava sentindo. Ela já havia recomeçado, me ignorava completamente, os passos não faziam mais sentido para mim, embora continuassem embalados por uma misteriosa batida que a guiava sem deslizes. Eu olhava para ela completamente perdido e tentava encontrar uma forma de ela me escutar. Foi num rompante que me sentei novamente ao piano e a segui. Quanto mais ela girava, mais alto eu tocava, numa tentativa desesperada de que de alguma forma ela me ouvisse. Aos poucos, não só eu, mas tudo ao redor se deixou invadir pela música, eu sentia todo meu corpo vibrar, depois o piano e o chão. Os quadros caíram das paredes, o vaso caiu da mesa de canto, os lustres tilintavam. O prédio inteiro tremia, e de repente, quando cheguei ao fim, fez-se silêncio total, a não ser pela chuva que havia voltado à toda, virei para o lado e a vi de pé na sacada, olhando na minha direção. Só não sabia se era tempestade ou lágrima o que molhava o seu rosto.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

o que é que a gente não faz por amor?

Hoje faz 11 dias que eu não abro um livro para estudar. Zero, nada, nem uma linha. Com o tempo eu aprendi que quando não consigo fazer uma coisa não adianta insistir. O melhor é mesmo abstrair e ir fazer qualquer outra coisa. Nada pior que culpa e fracasso juntos; se não insisto, fico só com a culpa. Moro no mesmo lugar há uns 3 anos e só outro dia descobri que o prédio tem um terraço. Tomei um banho e resolvi subir para ver pôr-do-sol de lá. Quando decidi, me pediram manda uma foto pra mim? e eu imediatamente disse que sim. Eu provavelmente publicaria a foto em algum outro lugar para que outras pessoas também pudessem ver. Talvez só mandasse para a única pessoa que sabia que eu estava lá. Não sei. Subi, vi para que lado o sol estava indo embora e me sentei. Fiquei um tempo por lá, fumei uns dois cigarros diferentes e logo que as mãos ficaram disponíveis, peguei o celular para tirar a tal foto. Pensei que seria lindo se eu tirasse várias ao longo do processo. Seria quase um filme, quase estar ali ao mesmo tempo que eu. Qual foi a minha surpresa quando a câmera não funcionou. Deve ter sido do banho de cerveja de ontem, ou dos tombos sucessivos que o aparelho começou a levar depois que passei da fase de cuidado neurótico  assim que a gente compra. Tirei a bateria, liguei de novo. Nada. Tentei algumas coisas que fui capaz de pensar na hora. Nada. Reiniciei de novo. Nenhum movimento. Decepção. Eu precisava tirar aquela foto. Cogitei descer e pegar uma câmera em casa, mas logo desisti quando me dei conta de que não ia rolar descer as escadinhas. Tentei fazer a câmera funcionar algumas várias vezes, quando fui pegar outro cigarro e percebi que o céu estava muito mais escuro. Eu estava perdendo todo o processo e nem o destinatário da foto nem eu veríamos nada. Dali em diante, deixei o celular de lado - como fiz com os textos que tenho que terminar de ler - e parei. Demorei uns segundos pra me situar vendo tudo de cima (nem isso eu tinha parado para analisar), achei estranho o silêncio, diferente do meu apartamento no quarto andar. As janelas dos prédios vizinhos foram se acendendo aos poucos, e com elas os postes das ruas e os faróis dos carros tão pequenos vistos dali. Via a movimentação nas casas, senhoras vendo a novela, a maioria das pessoas chegando, algumas se arrumando para sair. Me lembrei de quando eu era menina - bota aí uns bons 15 anos - e chegava em casa por volta desse horário depois da aula. Nessa época, a minha mãe ainda era a minha mãe (ou o contrário, não sei). Buscar a gente na escola fazia parte desse papel, o que era sempre um evento: três filhos dentro de um carro, sendo duas mulheres, dava o que falar. A gente chegava e começava a segunda parte da missão, banho, jantar e dever de casa. Quando a gente é criança, acha escola um saco, mas eu sempre ouvi que a gente só dá valor quando perde e isso serve para mim com essa fase. Num encadeamento tão rápido quanto confuso de idéias, eu comecei a me lembrar de vários episódios, recentes, antigos; alguns esquecidos, mas tão vivos quanto os que ainda estão na minha cabeça todos os dias. Me lembrei da última menina que eu beijei e do último menino também. Lembrei do gosto de infância da boca dele por conta uma bala verde que eu não comia há séculos, e da dela de canela - rimou -, mas esse nem um pouco de infância, por conta de algumas muitas doses de cachaça. Nessa hora, atrás de mim já era quase tudo noite, embora toda a paisagem na minha frente ainda estivesse iluminada por um sol tímido que já se escondia atrás do morro. A luz alaranjada me lembrou do pôr-do-sol do Oriente, uma bola de fogo que não machuca os olhos quando você encara; não sei se por isso o sol parece muito maior, mas dá para ver o círculo perfeito, vermelho metálico por dentro. Lembrei do nascer que precedeu uma das fases mais incriveis da minha vida, quando eu ainda não sabia o que era amar duas pessoas ao mesmo tempo e estar com elas. Não que isso fosse incrível-incrível, mas um incrível-surreal, mas também não é como se eu me orgulhasse disso. Logo depois, eu, ainda que não me arrependesse de nem um minuto sequer, decidi que nunca mais iria fazer aquilo novamente e até agora não aconteceu. Lembrei do meu avô, do quanto ele gostava de sorvete de flocos com biscoitos waffer recheados de chocolate, e de uma vez que ele me pediu para escrever uns nomes num pedaço de papel, quando ele já estava perdendo a memória. Lembrei da primeira noite em que viajei a trabalho e fiquei sozinha num hotel. Essa foi também a primeira vez que entrei num avião e quase morri do coração naqueles míseros 45 minutos de ponte aérea. Nessa época eu não podia conceber a idéia de ficar dentro daquilo por muito mais do que isso, e obviamente não imaginava tampouco que conseguiria ficar não só uma, mas quinze horas por lá, e isso justifica o título também. Lembrei da noite mais feliz também, dessas durante viagens para acompanhar casos de conteúdo ( no singular, porque era o mesmo em todos eles) nada interessante, numa época em que não me sentia tão só. Na verdade, acho que era a mesma coisa, mas olhando para trás, parece que antes era melhor e que o amanhã nunca vai chegar. Por um instante, lembrei da foto e de como era chato não poder guardar aquilo ali. Logo eu que sempre fui a louca das fotos, sempre com uma câmera na mão, tentando guardar aqueles segundos numa quase paranóia, naturalmente num medo inconsciente daquilo se perder. Ou talvez, pensando um pouco melhor, para ter uma prova de que aquilo realmente aconteceu e tentar extrair dos rostos das pessoas ou dos detalhes algo que me permitisse duvidar e/ou me certificar de um determinada coisa. Não sei. De repente, eu cheguei à brilhante conclusão de que nada disso adianta, que os sorrisos das fotos escondem dúvidas, dores e até traições - muitas vezes futuras. Ao ver o dia acabando lentamente, eu me dei conta de que, daquele exato ponto onde eu estava sentada, ninguém estaria vendo o sol se pôr. De algum outro terraço, praia ou fresta de céu, muitas outras pessoas certamente, mas não aquele ali. E na sede do tal registro, quase nem eu vejo. De um lado já era noite, do outro também, mas eu lá de cima ainda via uma nesga de luz atrás da montanha que lembra um homem deitado de barriga pra cima. E me despedi do sol, desejando que amanhã eu não me esforce tanto para dividir nada com ninguém, e que me preocupe mais com quem vai querer sentar do meu lado lá em cima da próxima vez. Ou não, como diria Caetano.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

tipo um baião.


De onde eu vejo agora, a lua andou uns metros para a esquerda. Quando eu pude vê-la, eu te lembrei de olhar para o céu também. Eu acho incrível isso de estar ao mesmo tempo sob a mesma luz refletida numa massa opaca que gira em torno de nós. Eu gosto de pensar que se olharmos ao mesmo tempo naquela direção vamos dividir um mesmo segundo a uma distância curta se a gente considerar daqui até a Lua, mas certamente considerável a essa hora, sob as nossas condições.

A mesma distância daqui ao Cristo talvez, que você propôs fazermos a pé. À noite. Não vi outra solução a não ser dormirmos lá, nós e a Lua, que se fosse hoje já não estaria tão cheia como vimos há alguns dias. Hoje não chove, o que também seria bom; o céu hoje está límpido, o que nos permitiria ver as estrelas, mas seria sinônimo de ventos cortantes nesse início de Primavera.

É verdade, eu tenho essa tendência de não ver só o lado bom. Com certeza, se fosse você aqui, e não eu, falaria das estrelas e de como o quarto minguante é uma fase de transformação, não se importaria com o frio, nem com a lua menos cheia, faria deles algum verso de encanto e deixaria o resto para lá. Nesses saraus ao luar, quando meu coração você, sem pensar, ora brinca de inflar, ora esmaga.

A verdade é que as minhas frases perdem o foco junto com as horas da noite, ficam todas enroladas. Não é só a intensidade que muda, mas a facilidade que surge involuntária em me desdizer e acabar dizendo o que queria, mas não pretendia dizer. Você sabe, eu prefiro aproveitar as manhãs, quando sempre tenho as melhores ideias e um maior controle de mim.

Não sei para que outra história de amor a essa hora; no fundo, eu pensei em esperar até amanhã, mas a Lua já andou um pouco mais e acredito que isso signifique uma despedida, com a chegada manhosa das primeiras luzes do dia. Na verdade são três horas, estou já nas primeiras horas da manhã, a escura e ainda não dormida, mas não deixa de ser manhã. Eu inverti meus horários, ainda não consegui regular o sono perdido.  Um quase não sei por que, somente agora você vem, vem para embaralhar os meus dias e por aí vai.

Eu roubo a coberta, avisei, e que roubava espaço na cama também, que no meio da noite eu ia estar na diagonal, como se estivesse sem mais ninguém no colchão. Você não me avisou, mas roubou minha mão na entrada e outras coisas acabaram indo com ela. Eu queria dizer isso na hora, mas não quis que você ficasse sem jeito. Ia acabar me devolvendo a mão ou dando um sorriso meio de lado envergonhado demais. Eu ia adorar o sorriso de lado, quando uma mecha do cabelo cai também.

Eu não roubei a coberta, nem o espaço no colchão. Devo ter roubado algumas coisas por certo, mas não sei dizer.




segunda-feira, 10 de setembro de 2012

kathy h.



What I'm not sure about, is if our lives have been so different from the lives of the people we save. We all complete. Maybe none of us really understand what we've lived through, or feel we've had enough time. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

casa XI.

A casa onze tinha oito portas. Sete brancas, uma marrom. Sete altas, uma muito baixa, e não era a marrom. Todas em círculo, com um poço no meio. O pátio ao redor era de ladrilhos vermelhos, expostos ao céu aberto. O teto de estrelas parecia mais alto do que o normal, o de nuvens mais baixo do que o esperado. Dei naquele pátio, mas não sabia dizer de qual porta havia saído. Do céu, impossível, do poço, talvez? Por instinto, quem sabe, fui ao ímpar mais explícito e abri a porta marrom. Cheguei imediatamente ao pátio externo do mesmo cenário: eu estava agora do lado de fora do círculo numa espécie de varanda do espaço anterior e foi quando percebi que se tratava de uma torre altíssima, num vasto campo a perder de vista, cercada por um fosso de um raio - considerada a distância que eu estava do chão - de pelo menos cinco quilômetros. Não havia qualquer conexão entre a construção e a margem. Aparentemente, acreditava eu, cheguei e precisava sair. Dei voltas e voltas no círculo de fora, supus que qualquer porta me levaria para dentro e, por isso, abri a primeira porta branca pela qual passei. Bati a porta atrás de mim e me vi diante da porta marrom. Do lado de fora. Repeti o gesto com mais cinco portas, inclusive a marrom, e todas me levaram ao mesmo lugar. A porta marrom. Do lado de fora. Faltava a porta muito baixa. A bem da verdade, era uma portinhola muito rente ao rodapé e, agora me dei conta, é muito mais baixa do lado de fora. Ao contrário das demais, ela abria para dentro, o que constatei já deitado no chão do mesmo tom amarelado das paredes e excessivamente limpo, a despeito da sala de dentro. Tentei tocar o dentro da porta, tive medo de ficar preso no meio do caminho. Ou ainda pior, lá dentro. Me pus de pé novamente, tentei todas as portas pelo menos três vezes e em vão voltei ao ponto de partida. Foi quando, então, decidido, eu pulei.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

quinta-feira, 7 de junho de 2012

o mundo é pequeno pra caramba.

O nosso era muito mais original. Porque não era meu, nem dele, porque se assim fosse não se saberia exatamente o que era devaneio ou o que era razão, e tudo seria um misto de conclusões e luzes, às vezes indiretas outras em neon. Quando tudo se apagou só sobraram alguns trôpegos e vários porquês que faltaram esclarecer. Eu que já não lembrava mais como tudo começou, preferi sair antes de a sessão terminar. Assim, se o final fosse infeliz, eu levaria adiante qualquer subterfúgio, acenderia todas as luzes de uma vez, as indiretas, minhas, em versos intrusos; cegando relances de memórias futuras, eu me fui sem olhar para trás, tentando entender o calor que se deu em alforria. Quarta-feira. Primeiro último capítulo da estreia. Não, isso foi o que eu inventei. A saudade era uma coisa que eu também tinha inventado: uma parte de mim era solidão e a outra já morreu.

sábado, 7 de abril de 2012

juran que esa paloma no es otra cosa más que su alma.

Ela teima em dizer que não, mas eram de amêndoas os biscoitos que ela trouxe para o quarto na primeira manhã. O chá, concordamos, era de erva-doce, e bebi feliz, embora não suporte nem o cheiro de erva-doce. Chegou esvoaçante, as maçãs ainda coradas do calor do forno, sorrindo com as duas arcadas à mostra, num harmonioso quase excesso de dentes, que só combina com seu rosto longo. A blusa era minha, não achei a minha nessa bagunça, espero que não se importe, mas a calça cor de chiclete era absolutamente dela. Enquanto eu provava os biscoitos ela me olhava com uma expressão que até hoje não compreendo. Eu tentava fazer parecer que aquilo tudo não era tão importante assim, mas ela pouco se importou. Sorria e sorria e virava a cabeça de lado, de jeito que os cabelos muito compridos esbarrassem nos joelhos cruzados à minha frente. São todos pra mim?, quis saber em mais uma tentativa de me sentir no controle. Ela fez que sim com a mesma cabeça de lado, o mesmo sorriso largo e me venceu de novo, sem nem saber que estava lutando, o que para mim era ainda mais desconcertante. 

Levantou-se num rompante e começou a arrumar o quarto e a falar sobre o que iríamos fazer durante o dia. Iria me levar para conhecer a cidade, tomaríamos o melhor capuccino que ela já havia provado na vida, iríamos à feira comprar uma lista de coisas (que não entendia como ela tinha memorizado de tantas que eram) para preparar o jantar em casa e por fim encontraríamos alguns amigos dela que queria que eu conhecesse, os mesmos que se juntariam a nós à noite para provar o prato cujo nome até hoje não consegui memorizar. Falava e gesticulava, às vezes se sentava na beira da cama e tocava meus pés por alguns segundos, e logo se levantava novamente, como se estivesse um pouco tímida apesar de eufórica de novidades.

Foi até a sacada e acenou para uma senhora que morava na janela do mesmo andar do outro lado da rua. Disse palavras que não consegui entender, sorriu e enrolou os cabelos num nó que se desfez automaticamente, e os fios derreteram dançantes até a cintura. Pegou a bandeja em cima da cama, deu alguns passos em círculos, todo o tempo falando sem parar e eu, em silêncio, mais por não querer interrompê-la do que me parecia um êxtase ansioso, do que por não ter o que dizer. Falava de umas gravuras, algo em que havia trabalhado nas últimas semanas e queria me mostrar, mas não tinha mãos para pegar, Vou deixar isso na cozinha, me espera que já volto, e eu me perguntei para onde e como ela achava que eu iria fugir.

Voltou com uma garrafa de água gelada, Nessa época faz tanto calor que não sei, e também fiquei eu sem saber o que queria dizer. Acredito que tenha se esquecido dos tais desenhos, porque se deitou na cama de lado me dizendo Você prometeu que ia pentear meu cabelo e foi a única coisa que precisou me pedir desde então, quando me enfeitiçou o cheiro de flores que se espalhou pelo quarto naquela manhã.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

nobody wants you when you are down and out [2].

O homem do relógio resolveu ir embora. Assim, sem mais nem menos, porque resolveu. Decidiu que os dias seriam contados ao contrário, a partir da sua chegada no novo destino que ainda desconhecia. Limpou a casa, cobriu os móveis, fechou todas as janelas, libertou os pássaros da gaiola, e, o cão, deixou na casa da vizinha que já cuidava dele durante suas viagens de rotina. Saiu às 5h da manhã, horário em que todos dormiam, mas não se preocupou com a hora exata. Deixou para trás os horários, as rotinas, queimou a casa e ligou para os bombeiros, não queria causar transtorno aos que viviam ao redor. 

O homem do relógio seguiu a pé, para não deixar rastros. Foi pelo caminho mais longo para ter tempo suficiente para se esquecer de seus planos e se perder no trajeto. Andou sem contar as noites por três meses, até que se esqueceu também de seu nome. Não sabia mais qual era seu prato preferido, o dia do aniversário de sua mãe, nem o nome do cachorro que havia deixado com a vizinha.

O homem do relógio esqueceu os números e viveu todos os dias como se fossem um só. Ia do 1, ao 2, do 2 ao 3. Chegava ao 12 e recomeçava. Do 1, ao 2, do 2 ao 3. Em círculos, ele andava. 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

chega de saudade.

Era um céu azul de transparência nítida dos dias de verão. Não tinha mais o que pedir, ele não sabia mais o que eu queria e eu, eu nunca soube. Por que você não me disse que viria para ficar? Por que você não me abraçou mais forte antes de sair de manhã? A gente nunca sabe quando vai ser o último dia, a gente na verdade nunca sabe em que posição algo se cala para sempre. Eu não sabia e fui. E pensei, como posso entender o que me espera se não sei para onde vou. Eu só tinha certeza de que dessa vez eu não queria mais correr em vão, eu preferia sangrar meus pés e apreciar a paisagem. Enquanto os rios continuavam a correr e a brisa ainda ventava lenta a cortina da sala eu saí pela porta. Da frente, sem dúvida, exatamente por onde entrei. Quando fechei o peso da angústia atrás de mim, me libertei da responsabilidade de ser o que nunca quis e me perguntei por quanto tempo ainda teria me permitido viver esse martírio. Eu pensei, se eu tivesse tido certeza alguma vez nessa vida, a única que conheço bela, os dias teriam sido mais brilhantes? Se eu não pudesse medir o tamanho da ternura perdida em mim, eu seria capaz de contar o quanto ainda me falta viver? Eu gosto de agradecer ao acaso quando ele me engana. De vez em quando ele me carrega a passos lentos para rebelde me arrastar trajetos longos de momentos de desvario. Eu rio e choro, e quase nunca me conformo com as placas que me guiam, na sorte escolho uma e vou. Na falta de opção, me decido pelo que melhor me soa. Hoje, agora, senão me perco. Eu vou e digo adeus, com uma felicidade há muito esquecida.

domingo, 29 de janeiro de 2012

e o meu medo maior é o espelho se quebrar.

Tanta coisa que eu simplesmente não pensei em te dizer. Quero dizer, na verdade elas sempre estiveram aqui e eu não tinha para quem dizer, e, quando encontrei, elas fugiram num raio. Eu não saberia por onde começar, mas pelo menos teria encontrado algum modo de fazer você um pouco mais feliz. Eu não tinha a menor idéia do quanto isso tudo cresceria, eu não sabia dizer o que viria depois do não, mas sabia que não conseguiria voltar atrás. E se eu pudesse te dizer o que cantei para tantos, eu seria mais forte que você, simplesmente porque desse modo eu te aproximaria dos outros. Eu te coloquei à parte e perto, num quase não existir no meu peito. Você sempre soube que isso não seria nada além da minha melhor teoria de amor, que eu usaria o resto da vida como justificativa para sofrer por algo que jamais aconteceu e que a partir daquele momento estaria proibido para sempre. Eu não sei amar porque preciso mais do que quero e quase sempre me esvaio por nada. Nem todo dia eu te amo e eu nunca sei quem sou. Eu faço você acreditar que te amo perdidamente, pois esse foi o jeito que encontrei de me punir por não conseguir sentir nada que não seja uma necessidade desesperada de fuga. Mas, no fundo, acho que você gosta mais de mim do que eu de você. Eu preferia dizer isso pessoalmente.
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Eu preferia dizer isso pessoalmente. Mas, no fundo, acho que você gosta mais de mim do que eu de você. Eu faço você acreditar que te amo perdidamente, pois esse foi o jeito que encontrei de me punir por não conseguir sentir nada que não seja uma necessidade desesperada de fuga. Nem todo dia eu te amo e eu nunca sei quem sou. Eu não sei amar porque preciso mais do que quero e quase sempre me esvaio por nada. Você sempre soube que isso não seria nada além da minha melhor teoria de amor, que eu usaria o resto da vida como justificativa para sofrer por algo que jamais aconteceu e que a partir daquele momento estaria proibido para sempre. Eu te coloquei à parte e perto, num quase não existir no meu peito. E se eu pudesse te dizer o que cantei para tantos, eu seria mais forte que você, simplesmente porque desse modo eu te aproximaria dos outros. Eu não tinha a menor idéia do quanto isso tudo cresceria, eu não sabia dizer o que viria depois do não, mas sabia que não conseguiria voltar atrás. Eu não saberia por onde começar, mas pelo menos teria encontrado algum modo de fazer você um pouco mais feliz. Quero dizer, na verdade, elas sempre estiveram aqui e eu não tinha para quem dizer, e, quando encontrei, elas fugiram num raio. Tanta coisa que eu simplesmente não pensei em te dizer.