sábado, 19 de junho de 2010

“No dia seguinte ninguém morreu.”

Foi com a morte de José Saramago que abri os olhos na manhã da última sexta-feira. Não acreditei logo na primeira página que abri e precisei confirmar a informação em pelo menos outras três ou quatro, até aceitar que de fato acontecera.

Saramago invadiu minhas prateleiras em 2002 quando li “Ensaio sobre a cegueira” e lembro-me de ter levado algum tempo para me acostumar com a estrutura do texto. No início, pode parecer confuso, confesso, mas uma vez compreendida a cadência da narrativa, a leitura torna-se uma experiência única.

De início, esclareça-se que sofro de algo que até então considerava um mal. Compro livros que permanecem na estante por anos a fio até o momento que eles me escolhem; frutos numa árvore de Babel que amadurecem e um belo dia caem no meu colo. É evidente que isso não é uma regra. Mas posso garantir que é exatamente o que acontece na maioria das vezes em que volto para casa com uma sacola recheada de novas aquisições. Às vezes teimo em colher algum fora do tempo. Dou uma, duas, três mordidas; contudo logo percebo que ainda não é a hora. Não é a minha hora.

No Natal de 2005 ganhei o “Ensaio sobre a lucidez”; anos depois consegui ler um terço do livro e estagnei. Comprei o “Evangelho segundo Jesus Cristo”; li algo em torno de 50 páginas, emprestei o livro e acabei dando de presente. O livro era mais dele do que meu. Ganhei “As intermitências da morte” e “A viagem do elefante”. O segundo tentei ler logo de cara, mas novamente ainda não havia chegado o tempo certo.

“As intermitências da morte” foi uma quase exceção a essa regra. Mesmo não tendo sido uma leitura imediata, ambos amadurecemos num período recorde se comparado aos demais. Surpreendente, inesperado e incontrolável. A minha forma de dizer o quanto é incrível foi emprestá-lo às pessoas que eu amo, sem dar pistas do que talvez ele pretenda dizer.

A morte do artista não me aflige pelo risco da popularização da obra; entristeço por saber que não ansiarei pelo novo título, pelo novo enredo, pelas lágrimas que me acometerão. Hoje, fui atropelada por uma ansiedade absurda das palavras que se foram para sempre, dos sentimentos que se esvaíram para dentro e que jamais serão compartilhados.

Pela primeira vez não me senti culpada desse estranho mal. Porque seria muito infeliz se chegasse à velhice sem algo inédito de Saramago em mim.