terça-feira, 9 de outubro de 2012

o que é que a gente não faz por amor?

Hoje faz 11 dias que eu não abro um livro para estudar. Zero, nada, nem uma linha. Com o tempo eu aprendi que quando não consigo fazer uma coisa não adianta insistir. O melhor é mesmo abstrair e ir fazer qualquer outra coisa. Nada pior que culpa e fracasso juntos; se não insisto, fico só com a culpa. Moro no mesmo lugar há uns 3 anos e só outro dia descobri que o prédio tem um terraço. Tomei um banho e resolvi subir para ver pôr-do-sol de lá. Quando decidi, me pediram manda uma foto pra mim? e eu imediatamente disse que sim. Eu provavelmente publicaria a foto em algum outro lugar para que outras pessoas também pudessem ver. Talvez só mandasse para a única pessoa que sabia que eu estava lá. Não sei. Subi, vi para que lado o sol estava indo embora e me sentei. Fiquei um tempo por lá, fumei uns dois cigarros diferentes e logo que as mãos ficaram disponíveis, peguei o celular para tirar a tal foto. Pensei que seria lindo se eu tirasse várias ao longo do processo. Seria quase um filme, quase estar ali ao mesmo tempo que eu. Qual foi a minha surpresa quando a câmera não funcionou. Deve ter sido do banho de cerveja de ontem, ou dos tombos sucessivos que o aparelho começou a levar depois que passei da fase de cuidado neurótico  assim que a gente compra. Tirei a bateria, liguei de novo. Nada. Tentei algumas coisas que fui capaz de pensar na hora. Nada. Reiniciei de novo. Nenhum movimento. Decepção. Eu precisava tirar aquela foto. Cogitei descer e pegar uma câmera em casa, mas logo desisti quando me dei conta de que não ia rolar descer as escadinhas. Tentei fazer a câmera funcionar algumas várias vezes, quando fui pegar outro cigarro e percebi que o céu estava muito mais escuro. Eu estava perdendo todo o processo e nem o destinatário da foto nem eu veríamos nada. Dali em diante, deixei o celular de lado - como fiz com os textos que tenho que terminar de ler - e parei. Demorei uns segundos pra me situar vendo tudo de cima (nem isso eu tinha parado para analisar), achei estranho o silêncio, diferente do meu apartamento no quarto andar. As janelas dos prédios vizinhos foram se acendendo aos poucos, e com elas os postes das ruas e os faróis dos carros tão pequenos vistos dali. Via a movimentação nas casas, senhoras vendo a novela, a maioria das pessoas chegando, algumas se arrumando para sair. Me lembrei de quando eu era menina - bota aí uns bons 15 anos - e chegava em casa por volta desse horário depois da aula. Nessa época, a minha mãe ainda era a minha mãe (ou o contrário, não sei). Buscar a gente na escola fazia parte desse papel, o que era sempre um evento: três filhos dentro de um carro, sendo duas mulheres, dava o que falar. A gente chegava e começava a segunda parte da missão, banho, jantar e dever de casa. Quando a gente é criança, acha escola um saco, mas eu sempre ouvi que a gente só dá valor quando perde e isso serve para mim com essa fase. Num encadeamento tão rápido quanto confuso de idéias, eu comecei a me lembrar de vários episódios, recentes, antigos; alguns esquecidos, mas tão vivos quanto os que ainda estão na minha cabeça todos os dias. Me lembrei da última menina que eu beijei e do último menino também. Lembrei do gosto de infância da boca dele por conta uma bala verde que eu não comia há séculos, e da dela de canela - rimou -, mas esse nem um pouco de infância, por conta de algumas muitas doses de cachaça. Nessa hora, atrás de mim já era quase tudo noite, embora toda a paisagem na minha frente ainda estivesse iluminada por um sol tímido que já se escondia atrás do morro. A luz alaranjada me lembrou do pôr-do-sol do Oriente, uma bola de fogo que não machuca os olhos quando você encara; não sei se por isso o sol parece muito maior, mas dá para ver o círculo perfeito, vermelho metálico por dentro. Lembrei do nascer que precedeu uma das fases mais incriveis da minha vida, quando eu ainda não sabia o que era amar duas pessoas ao mesmo tempo e estar com elas. Não que isso fosse incrível-incrível, mas um incrível-surreal, mas também não é como se eu me orgulhasse disso. Logo depois, eu, ainda que não me arrependesse de nem um minuto sequer, decidi que nunca mais iria fazer aquilo novamente e até agora não aconteceu. Lembrei do meu avô, do quanto ele gostava de sorvete de flocos com biscoitos waffer recheados de chocolate, e de uma vez que ele me pediu para escrever uns nomes num pedaço de papel, quando ele já estava perdendo a memória. Lembrei da primeira noite em que viajei a trabalho e fiquei sozinha num hotel. Essa foi também a primeira vez que entrei num avião e quase morri do coração naqueles míseros 45 minutos de ponte aérea. Nessa época eu não podia conceber a idéia de ficar dentro daquilo por muito mais do que isso, e obviamente não imaginava tampouco que conseguiria ficar não só uma, mas quinze horas por lá, e isso justifica o título também. Lembrei da noite mais feliz também, dessas durante viagens para acompanhar casos de conteúdo ( no singular, porque era o mesmo em todos eles) nada interessante, numa época em que não me sentia tão só. Na verdade, acho que era a mesma coisa, mas olhando para trás, parece que antes era melhor e que o amanhã nunca vai chegar. Por um instante, lembrei da foto e de como era chato não poder guardar aquilo ali. Logo eu que sempre fui a louca das fotos, sempre com uma câmera na mão, tentando guardar aqueles segundos numa quase paranóia, naturalmente num medo inconsciente daquilo se perder. Ou talvez, pensando um pouco melhor, para ter uma prova de que aquilo realmente aconteceu e tentar extrair dos rostos das pessoas ou dos detalhes algo que me permitisse duvidar e/ou me certificar de um determinada coisa. Não sei. De repente, eu cheguei à brilhante conclusão de que nada disso adianta, que os sorrisos das fotos escondem dúvidas, dores e até traições - muitas vezes futuras. Ao ver o dia acabando lentamente, eu me dei conta de que, daquele exato ponto onde eu estava sentada, ninguém estaria vendo o sol se pôr. De algum outro terraço, praia ou fresta de céu, muitas outras pessoas certamente, mas não aquele ali. E na sede do tal registro, quase nem eu vejo. De um lado já era noite, do outro também, mas eu lá de cima ainda via uma nesga de luz atrás da montanha que lembra um homem deitado de barriga pra cima. E me despedi do sol, desejando que amanhã eu não me esforce tanto para dividir nada com ninguém, e que me preocupe mais com quem vai querer sentar do meu lado lá em cima da próxima vez. Ou não, como diria Caetano.

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