segunda-feira, 15 de junho de 2009

gabriel

Clarice chegou com o raio de sol e com uma garoa fina que a acompanhou em todo o caminho para casa. Subiu os degraus da entrada com cuidado e abriu a porta com as chaves que levava agarrada nas mãos. A escada nunca lhe pareceu mais longa, nunca deu tempo de pensar em tantas coisas num trajeto sempre tão mecânico.

Secou os pés no capacho que lhe dava as boas-vindas, enterrou os anéis de cabelos atrás das orelhas, reparou que estava sem um dos brincos, secou o rosto e ainda hesitou por alguns segundos em enfiar a chave na porta. Girou com cuidado a fechadura enferrujada e empurrou a porta sem pressa. Conseguiu não fazer barulho até tropeçar na ponta do tapete enrolada perto do sofá.

Passou pelo corredor, as pontas dos pés flutuando rangendo os tacos. Entrou no quarto, jogou os sapatos embaixo da cama, deslizou por baixo dos lencóis gelados e deitou-se de costas para Gabriel. O frio de seu corpo fez com que ele se mexesse um pouco, mas não o despertou; foi o suficiente para ele saber que ela estava ali.

Clarice não conseguia pregar os olhos. Tentava esconder as mãos ainda úmidas da garoa embaixo do travesseiro ou entre as pernas.

Pensou no homem de calças compridas abrindo a padaria, no gari tentando descolar o cartaz do poste de luz, na senhora encolhida passeando um cão com roupa e sapatos agarrada a um cigarro amassado de filtro amarelo e nas mãos pequenas e brancas de Luiza passeando no braço do sofá vermelho até encostarem nas suas.

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