segunda-feira, 2 de maio de 2011

come back to me and swim the seas of my deep dark hair .

No meio do salão. Gira. A fumaça densa de charuto acaricia o coque mal amarrado no alto da cabeça, alguns cachos derretendo até o meio das costas, vestido preto, a renda oscula a curva do joelho. Gira o pé em ponta por conta do salto grosso do sapato boneca como para se acomodar ao encaixe firme da mão dele na curva de suas ancas, cego, tateando a aflição de seu desejo.

Gira. Ele a puxa contra si, seu peito resvala no tecido delicado que a cobre. Úmido e quente. Ela está alguns centímetros mais alta do que ele, por conta do mesmo salto grosso do mesmo sapato boneca, o que, por enquanto, pouco se pode notar em razão da segura distância entre os corpos que se atraem e se repelem simultaneamente.

Ele a vê de perto o suficiente para notar gotas de suor se formarem nas conchas inferiores de seus olhos derretendo a maquiagem já não mais tão impecável quanto ela ainda se imaginava delineada. Afastados, a mão direita dele guia o embalo do quadris e a pressão das pontas dos dedos na cintura estabelece uma intimidade invisível aos olhos da platéia. 

Gira, gira, gira, vai. Volta. Mais perto dessa vez. Ela sente o hálito dele com precisão. Um sopro de malícia, inaudível no meio das vozes sussurradas, ainda a mais atenta vigília seria incapaz de percebê-lo. E as pontas dos dedos das mãos fazem o seu trabalho. Gira. Direita. Volta.

Lúdico, lúcido, mágico, magnífico.

Agora vejo. Ela está pelo menos cinco centímetros mais alta do que ele e foi essa diferença que permitiu a acomodação das silhuetas, imaculadas. O braço direito dela e o esquerdo dele perderam a serventia e se soltaram à lateral. Perderam a utilidade também a platéia, a música, fim, os corpos se compreendem, as almas dançam.



2 comentários:

Antonio de Castro disse...

quase saí por aí, girando e dançando.

ótimo texto.

Paula Clapp disse...

com o som muda tudo .
adorei desde antes, mas gostei mais de ler com trilha ;)