domingo, 28 de novembro de 2010

antes de mais nada.

Pedi um conselho ao dia e ele me disse ; por aí, sem medo de errar, sem esperar cair, deixe o chapéu em casa, malandro, e liberte-se da soberania das dúvidas. Vorazes, latejantes e suculentas como uma manga rosa gorda e quente tirada do pé para o café da manhã. O seu cenário não existe. É apenas mais uma farsa da sua vida ordinária. Mudei uns móveis de lugar, abri espaço nas gavetas para guardar seus pensamentos, mas me esqueci de tirar a poeira velha e curtida da mesa de cabeceira. Ficaram as silhuetas do abajur sem lâmpada, do descanso para copos e das minhas lembranças que repousaram ali mais tempo do que deveriam. Fazia tanto que não mexia, que já não sabia outra forma de dispor os objetos, as personagens ilustres que me acompanhavam silenciosas à hora de dormir. Mas escutei o dia que me chamava curioso do lado de fora. Doeu um bocado quando a luz me perfurou a retina. Havia tanto que me desconhecia que foi difícil encarar que aquilo era o meu corpo. Que a ferida deixada pelos raios se alastrava por toda minha extensão e me incendiava. Quando por fim cheguei até a porta, não fui capaz de abri-la por inteiro e me dei conta de que tinha medo. Uma agonia que revirava minhas entranhas e que me impedia de admitir quem eu verdadeiramente sempre quis ser. Criei raízes num casulo de gesso e me escondi até de mim. Talvez porque não pudesse mais me expor aos olhares inquisidores, mas, com certeza, porque não conseguia mais fingir que eles não me doíam.

2 comentários:

Antonio de Castro disse...

eu não sei o q dizer. só sei que as coisas que você anda falando sob esse marcador têm muito em comum com as coisas que eu penso de mim mesmo.

às vezes sair de casa é bem difícil. se mostrar pro mundo é como encará-lo. nem sempre a gte tá preparado pra encarar algo tão grande.

só sei q eu tb não tenho conseguido fingir que aqueles olhares inquisidores me doem.

Antonio de Castro disse...

uma identificação, só isso.

nem sei se é isso o que vc anda querendo dizer, mas é isso que eu ando lendo de vc.

é maravilhoso alguém transcrever em palavras coisas tão genuínas.