quinta-feira, 7 de abril de 2011

a barca. {a cena}

Sentia falta daquele cheiro de flor de laranjeira. Ele saía do banho e não se enxugava por completo, tinha a mania de sair pela casa com o corpo ainda úmido, de cuecas e um cigarro em punho. E passava de um lado para outro como se procurasse algo que ainda desconhecia. E de repente sentava a seus pés aninhando a cabeça entre seus joelhos a ronronar, enfiando o nariz em suas coxas, suplicando em silêncio que lhe coroasse de afagos. Era ríspida e se fingia indolente, negando-lhe de início as carícias, até que por fim ele se expusesse e com palavras ainda que resguardadas por duplos sentidos mostrasse sua demanda obscena pelos dedos dela em seu couro cabeludo.

Deitada no sofá ela se fingia distraída com qualquer coisa na televisão, mas o havia acompanhado desde que saíra do banheiro com a toalha pendurada no ombro direito tirando o excesso de água dos cabelos com a palma da mão, e o perfume invadira imune em aquiescência todas as células de seu corpo, para nunca mais deixá-las. E era luminosa aquela flor de laranjeira, que se transformava em minúsculas partículas estelares que cintilavam ao seu redor. Ela acompanhou-o em seu gingado pseudo absorto, passando em sua frente uma, duas, três vezes, esperando o instante em que ele (tão fingidamente quanto ela) a notaria.

2 comentários:

Romã disse...

Muito bom, hein? Lindo isso!

Antonio de Castro disse...

talvez essa também seja uma dança.