sexta-feira, 1 de abril de 2011

a barca. {a glória}

Chovia, meu deus, como chovia. Caminhava decidida, semiprotegida por um guarda chuva imenso, do qual, por 3 ou 4 vezes, pensou em se livrar, os pés inevitavelmente mergulhados nas poças, encharcada até os joelhos. Não ansiava pela chegada, mas pelo encontro em si. Não era capaz de decidir o que era dor de outras feridas e o que de fato temia sobre ele. Nada além de ser ela mesma, ou sobre ter que fingir um outro sorriso para ser acolhida perpetuamente. E chovia.

Já havia ensaiado o desejo de encontrá-la. Como se pudesse prever o que aconteceria, planejou solitário o instante em que ela apareceria do outro lado da rua. Tinha medo de sua confiança, mas estava certo de que nada poderia evitar que se entregasse. Não pensava em derrota, mas no sucesso inevitável de quando se deseja sem interferência da razão. Esperava que ela nada dissesse, que compartilhasse delitos de paixão irresignada e no fundo tinha medo do que seria dito, pois definitivamente não sabia mais como se defender do que ela lhe havia despertado com suas promessas prematuras. E chovia, meu deus, como chovia. Imóvel na esquina, preferia aguardar sob a cortina d'água a abrir o guarda chuva minúsculo que trouxera para lhe oferecer.

E aproximando-se do inevitável, ela hesitou por alguns segundos. Mudou a expressão, certamente para evitar que ele percebesse a inquietude em seu olhar, o que era muito mais importante do que acertar os cabelos ou secar o rosto úmido de suor e gotas de chuva. 

E aproximando-se do evitável, ele, ainda que desamparado, firmou a postura, acendeu um cigarro e desviou os olhos da esquina por onde ela chegaria, tentando controlar o tremor das mãos e os saltos que lhe davam o peito.

Chovia. Chegou. Unidas as mãos geladas, foi derretida a segurança preordenada. Sem palavras, nem convites disfarçados pela timidez, subiram a ladeira em silêncio, com a certeza de que nada mais faria diferença, além da chuva que serviria de motivo para que ela não se fosse ainda naquela noite.

Ela jogou fora o guarda chuva imenso e decidiu aceitar o dele.

2 comentários:

Antonio de Castro disse...

pessoas são diferentes, têm e são de tempos diferentes

importa que um seja de hoje e outro de semana passada?
importa é que eles se encontrem.

vai que a vida funciona assim? fora de ordem...

Tomás Paoni disse...

! (...)